Arquivo de janeiro, 2013

MicroRNAs no LCR: grandes avanços na EM?

(“MicroRNAs in the CSF: macro-advance in MS?”)

Meinl E, Meister G

Neurology. 2012 Nov 27;79(22):2162-3

Abstract: Não há.

Comentário: Esse editorial merece ser lido, pois explica de maneira efetiva os microRNAs, como eles atuam e como podem contribuir no estudo da Esclerose Múltipla (EM). Faz-se mister estressar que com o estudo de MicroRNAs por Haghikia et al., 3 miRNA tiveram expressão diferente em grupo de pacientes com EM quando comparados com grupo controle. Desses 3 miRNA, 2 foram mais expressos e 1 inibido. Outro resultado interessante é que 2 desses miRNA conseguiram diferenciar EM recorrente remitente de secundariamente progressiva.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23077022

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Anticorpos contra o receptor D2 em distúrbios de movimento e transtornos psiquiátricos de origem autoimune

(“Antibodies to surface dopamine-2 receptor in autoimmune movement and psychiatric disorders”)

Dale RC, Merheb V, Pillai S, Wang D, Cantrill L, Murphy TK, Ben-Pazi H, Varadkar S, Aumann TD, Horne MK, Church AJ, Fath T, Brilot F

Brain. 2012 Nov;135(Pt 11):3453-68

Abstract: Recentemente, surgiram vários artigos relatando autoanticorpos que se ligam se a receptores de superfície de neurônios ou a proteínas em sinapses neuronais que causam encefalites autoimunes que são tratáveis. Apesar desses avanços, muitos casos de encefalites se mantém sem diagnóstico. Previamente, nós tínhamos descrito um tipo de encefalite dos gânglios da base (EGB) com predominante semiologia psiquiátrica e de distúrbio de movimento, na qual propusemos ser de etiologia autoimune.  Dado o papel da dopamina e de seus receptores no controle do movimento e no comportamento, nós sugerimos que os pacientes com EGB, assim como em outras desordens dos gânglios da base, portassem anticorpos contra proteínas de superfície dopaminérgicas. Utilizando soro de pacientes com EGB, foi possível marcar neurônios cultivados  que expressavam intensamente proteínas de superfície dopaminérgicas. Com o intuito de detectar autoanticorpos, foi realizado citometria de fluxo utilizando células renais embriônicas expressando antígenos de superfície. Doze de 17 crianças (0.4-15 anos, nove do sexo masculino) com EGB apresentaram altos títulos de imunoglobulina G contra o receptor extracelular  de dopamina D2 quando comparado com 0/67 controles. Imunofluorescência em cérebros de ratos usando o soro de pacientes com EGB mostrou padrão de imunomarcação consistente com anticorpos contra neurônio positivos para proteina associada à microtubulos 2 (MAP2) no estriado, assim como em neurônios estriatais, ocorrendo tênue marcação em cérebros de animais knock-out para o receptor D2. Imunohistoquímica confirmou a imunoreatividade localizada à superfície do receptor D2 em células transfectadas. Imunoabsorção de soro de pacientes com EGB com células renais embriônicas humanas transfectados com receptor D2 diminuiu a imunomarcação. Não foi encontrado, nos pacientes com EGB, IgG contra receptores D1, D3 ou D5 ou receptor para N-metil-d-aspartato (NMDA). Os 12 pacientes positivos para o anticorpo contra o receptor D2 apresentaram encefalites acompanhados de distúrbios de movimento caracterizados por parkinsonismo, distonia and coreia. Os distúrbios psiquiátricos foram caracterizados com labilidade emocional, deficit de atenção e psicose. Ressonância Magnética mostrou lesões localizadas aos gânglios da base em 50% dos pacientes. Títulos altos de IgG contra o receptor D2 foi encontrado em 10/30 pacientes com coreia de Sydenham, 0/22 pacientes pediátricos com desordens neuropsiquiátricas autoimunes associadas com infecção estreptocócica e 4/44 pacientes com síndrome de Tourette. Não foi encontrado IgG contra o receptor de D1 em nenhum paciente ou controle. Nós concluímos que a avaliação de anticorpos contra o receptor de D2 pode ajudar em definir desordens to movimento e psiquiátricas.

Comentário: Artigo interessante. Caracteriza clinicamente um subgrupo de encefalite em crianças e adolescentes de provável etiologia autoimune. O trabalho de descrição e caracterização do anticorpo é extenso, mas deve ser lido

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23065479

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Investigação Inicial da Barreira Hematoencefálica em Lesões de Esclerose Múltipla usando 7 Tesla

(“Initial investigation of the blood-brain barrier in MS lesions at 7 Tesla”)

Gaitán MI, Sati P, Inati SJ, Reich DS

Mult Scler. 2012 Dec 17

Abstract: Introdução: Previamente, nós descrevemos duas modalidades dinâmicas de realce por contraste em lesões de Esclerose Múltipla em imagens de ressonância magnética: lesões novas de médio-tamanho que realçam centrifugamente, enquanto lesões levemente mais velhas e maiores realçam de forma centripetal. Devido a limites técnicos, nosso estudo prévio, não caracterizou lesões menores que 5 mm em diâmetro , realce de lesões corticais e estruturas anatômicas nessas lesões. Objetivo: O objetivo deste artigo é obter observações iniciais em importantes aspectos do desenvolvimento de lesões em Ressonância Magnética de 7 Tesla com alta resolução espacial. Métodos: 8 pacientes participaram de um protocolo de Ressonância Magnética com aquisição de imagens em T2, T1 antes e após contraste e em alta resolução dinâmica durante e após contraste. Resultados: Foram detectadas 15 lesões captantes de contraste, sendo 10 lesões também analisadas em protocolo de captação dinâmica de imagens. Cinco lesões menores de 4 mm realaram centrifugamente (realce central inicial alastrou-se para a periferia da lesão), e 5 lesões maiores que 4 mm realçaram de forma centripetal (realce periférico gradualmente preencheu a lesão). Uma lesão leucocortical inicialmente mostrou realce primeiramente na substância branca, com posterior e gradual alastramento para o cortex. 73%das lesões foram perivenulares. Conclusão: A maioria das lesões são perivenulares, e as lesões menores realçam centrifugamente. Tais fatos suportam a ideia que essas lesões crescem de uma veia central para a periferia.

Comentário: A Esclerose Múltipla é uma doença que o neurologista necessita estar atualizado. Para um bom acompanhamento do seu paciente, entender as alterações na Ressonância Magnética é necessário. Esse artigo é de simples leitura, traz um conhecimento novo para o campo da radiologia que está de acordo com o conhecimento patológico dessa doença. Apesar de todos esses comentários favoráveis, lembro que esse artigo deve ser lido com a consciência de que as conclusões são baseadas em um pequeno número de pacientes.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23246799

Distúrbios de Movimento: Compreensão melhorada da doença precoce

(“Movement disorders: improved understanding of early disease”)

Schneider SA, Obeso JA

Lancet Neurol. 2013 Jan;12(1):10-2

Abstract: Não há.

Comentário: Continuando a “Retrospectiva Neurológica 2012”, Schneider e Obeso comentam sobre os principais achados em Dist Mov, em um ano pouco frutífero, na minha humilde opinião. Eles ressaltam o principal assunto em voga nesta área: biomarcadores nas fases pré-clínicas das doenças, principalmente na doença de Parkinson (DP). Ressaltam o estudo de Shannon e colaboradores, com visualização de alfa-sinucleína em biópsias de cólon de indivíduos em risco de ter DP, antes mesmo do diagnóstico da doença (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22550057), em uma abordagem mais prática e reprodutível do que a feita pelo grupo de francês de Lebouvier. Agora, a descoberta mais interessante do ano em minha opinião, é a comprovação de que há indução transsináptica de acúmulo de alfa-sinucleína, em uma propagação príon-like, o que foi feito através de injeção de alfa-sinucleína alterada no estriado de roedores, com resultante surgimento de inclusões tipo corpos de Lewy nos neurônios dopaminérgicos da susbtância negra, por transmissão axonal retrógrada, provocando também degeneração da via nigroestriatal e déficits motores (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23161999). Estes achados comprovam que a proteína modificada tem um potencial “infectivo” sobre a rede neural associada com o neurônio doente, embasando o que Braak e Del Tredici vêm hipotetizando desde 2001, em seu artigo seminal sobre a hipótese da disseminação caudorostral da alfa-sinucleína na DP. O artigo também relembra de algumas iniciativas interessantes envolvendo declínio cognitivo na DP e sobre diagnóstico pré-clínico em doença de Huntington. Sem trials importantes com medicações, o ano deu lugar aos estudos de intervenções físicas na DP, como exercícios de fortalecimento no membro afetado pela doença, treinos de agilidade sensorimotora, sessões de dança de tango e de tai chi, como adjuvantes para melhora principalmente de estabilidade postural e redução de quedas (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21959675; http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22316445)

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23237891

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Recomendações da EFNS/MDS-ES para o diagnóstico da doença de Parkinson

(“EFNS/MDS-ES recommendations for the diagnosis of Parkinson’s disease”)

Berardelli A, Wenning GK, Antonini A, Berg D, Bloem BR, Bonifati V, Brooks D, Burn DJ, Colosimo C, Fanciulli A, Ferreira J, Gasser T, Grandas F, Kanovsky P, Kostic V, Kulisevsky J, Oertel W, Poewe W, Reese JP, Relja M, Ruzicka E, Schrag A, Seppi K, Taba P, Vidailhet M

Eur J Neurol. 2013 Jan;20(1):16-34

Abstract: Introdução: Uma Força Tarefa foi designada por pesquisadores da European Federation of Neurological Societies (EFS) e pela seção europeia da Movement Disorders Society (MDS-ES) em DP e outros distúrbios de movimento, para revisar sistematicamente as publicações relevantes sobre o diagnóstico de DP. Métodos: Seguindo as instruções da EFNS para preparação de guidelines diagnósticos neurológicos, níveis de recomendação foram criados para critérios diagnósticos e de investigação. Resultados: Para diagnóstico clínico, nós recomendamos o uso dos critérios do Banco de Cérebros Queen Quare (Nível B). Exames genéticos para mutações específicas são recomendados para indivíduos (Nível B), levando em conta aspectos específicos (história familiar e início de surgimento da doença). Nós recomendamos o teste de olfato para se diferenciar DP de outras síndromes parkinsonianas, incluindo formas recessivas (Nível A). O rastreio para DP pré-motora com teste de olfato requer testes adicionais devido sua especificidade limitada. As provas terapêuticas com drogas não são recomendadas para o diagnóstico de parkinsonismo de novo. Há evidências insuficientes para se embasar seu papel [provas terapêuticas com drogas] no diagnóstico diferencial entre DP e outras síndromes parkinsonianas. Nós recomendamos uma avaliação cognitiva e rastreio para distúrbio comportamental do sono REM (DCREM), manifestações psicóticas e depressão grave na avaliação inicial de casos suspeitos de DP (Nível A). Ultrassom transcraniano é recomendado para a diferenciação entre DP e distúrbios parkinsonianos atípicos e secundários (Nível A), para o diagnóstico precoce de DP e na detecção de indivíduos sob risco de ter DP (Nível A), mesmo que a sua técnica esteja longe de ser usada universalmente e requeira alguma experiência. Como a especificidade do ultrassom transcraniano na DP é limitada, ele deveria ser usado em conjunto com outros testes de rastreio. A ressonância magnética convencional (RMc) com sequências de difusão em 1,5T está recomendada como ferramenta de neuroimagem que pode auxiliar no diagnóstico de atrofia de múltiplos sistemas (AMS) ou paralisia supranuclear progressiva (PSP) versus DP, através da atrofia regional e alteração de sinal, assim como pelos padrões de difusibilidade (Nível A). O SPECT DAT-Scan está aprovado na Europa e nos EUA para o diagnóstico diferencial entre parkinsonismos degenerativos e tremor essencial (Nível A). Mais especificamente, o DAT-Scan está indicado na presença de incerteza diagnótica considerável entre parkinsonismo associado à exposição neuroléptica e manifestações tremorigênicas atípicas, como tremor postural unilateral isolado. Estudos de captação cardíaca de MIBG com SPECT podem ser usados para identificar pcientes com PD versus controles e pacientes com AMS (Nível A). Todas outras modalidades de SPECT não foram aprovadas e não podem ser recomendadas para o uso na prática clínica. Até o momento, não se podem fazer conclusões a respeito da eficácia diagnóstica de testes de função autonômica, testes neurofisiológicos e imagem por PET na DP. Conclusões: O diagnóstico da DP é ainda amplamente baseado na correta identificação de suas características clínicas. Investigações específicas (genética, olfatória e estudos de neuroimagem) tem um papel auxiliar na confirmação do diagnóstico, e alguns deles podem ser usados no futuro próximo para se identificar indivíduos na fase pré-sintomática da doença.

Comentário: Guidelines sempre são úteis, principalmente para os não-especialistas da área. Este mês, uma Força Tarefa das maiores autoridades de Distúrbios do Movimento da Europa (exceto Reino Unido) publicou esta revisão sistemática da literatura sobre diagnóstico de DP. De modo efetivo, não traz surpreendentes novidades, mas tem alguns pontos fortes:

– Sobre testes genéticos, os autores sugerem que só sejam feitos para casos onde a história familiar de parkinsonismo seja muito forte e de padrão mendeliano, ou em casos isolados de início precoce;

– Reforça o teste de olfato (no caso, o UPSIT) principalmente como auxiliar no diagnóstico diferencial entre DP e parkinsonismos-plus, que não cursam com hipo/anosmia. Como diagnóstico pré-motor, há boas evidências, porém precisa de mais dados. Um ponto fundamental neste método é o baixo custo de se fazer o teste de olfato, em comparação com métodos de imagem ou laboratoriais;

– Quanto à neuroimagem, o artigo faz uma bela revisão dos possíveis achados em RM de AMS, PSP e síndrome corticobasal. Há uma tabela com estes sinais que merece ser vista com carinho;

– Na parte de medicina nuclear, o texto é categórico em dizer que ainda não há boas evidências de uso de PET no estudo de DP. Quanto ao SPECT, os autores recomendam seu uso no diagnóstico diferencial entre DP e parkinsonismo medicamentoso ou com tremor essencial.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23279440

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Resumo das recomendações da revisão da EFNS/MDS-ES sobre manejo terapêutico da doença de Parkinson

(“Summary of the recommendations of the EFNS/MDS-ES review on therapeutic management of Parkinson’s disease”)

Ferreira JJ, Katzenschlager R, Bloem BR, Bonuccelli U, Burn D, Deuschl G, Dietrichs E, Fabbrini G, Friedman A, Kanovsky P, Kostic V, Nieuwboer A, Odin P, Poewe W, Rascol O, Sampaio C, Schüpbach M, Tolosa E, Trenkwalder C, Schapira A, Berardelli A, Oertel WH

Eur J Neurol. 2013 Jan;20(1):5-15

Abstract: Objetivo: Resumir as recomendações de tratamento baseados em evidência em DP da EFNS/MDS-ES 2010. Este resumo inclui as recomendações de tratamento para DP inicial e avançada. Métodos: Para a publicação em 2010, uma busca na literatura foi feita para artigos publicados atpe setembro de 2009. Para este resumo, uma busca adicional foi realizada até dezembro de 2010. A classificação da evidência científica e a pontuação de recomendações foram feitas de acordo com as orientações da EFNS. Em casos onde havia insuficiente evidência científica, o estabelecimento de um consenso (“ponto de boa prática”) foi feito. Resultados e Conclusões: Para cada indicação clínica, uma lista de intervenções terapêuticas está estabelecida, incluindo a classificação da evidência.

Comentário: Feita pela mesma Força Tarefa responsável pelo artigo comentado acima, este é expressamente voltado para o tratamento. Você não precisará ler suas 24 páginas para saber o que deseja: o artigo resume em tabelas muito didáticas sobre o que fazer em cada situação: tratamento da DP nas fases iniciais, fases avançadas (complicações motoras), sintomas cognitivo-comportamentais e sintomas autonômicos e relacionados ao sono. Aposto que você não se arrependerá em usar este artigo para atualizar suas condutas em doença de Parkinson.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23279439

 

2012: o ano em Demências

(“2012: the year in dementia”)

Gandy S, Dekosky ST

Lancet Neurol. 2013 Jan;12(1):4-6

Abstract: Não há.

Comentário: A cada mês de dezembro, a Lancet Neurology tradicionalmente lança artigos revisando os principais avanços em cada uma das subáreas no ano. Os autores responsáveis pela parte de Demência nos lembram de vários trabalhos importantes nesta área, principalmente no que diz respeito à doença de Alzheimer (DA). O principal achado do ano foi uma mutação no gene da proteína precursora da amiloide (APP), A673T, que torna esta proteína mais resistente aos efeitos da ß-secretase (segundo a hipótese da cascata amiloide, a clivagem anormal da APP pela ß-secretase é que gera a proteína patológica ß-amiloide). Além disso, foi visto que, mesmo se o indivíduo for homozigoto para ApoE ε4 (um conhecido fator de risco para DA), a mutação A673T lhe confere proteção. Em miúdos: os humanos que têm esta mutação são virtualmente imunes à DA. Estes achados confirmam a existência da fisiopatologia e neurotoxicidade da ß-amiloide e geram arcabouço teórico para possíveis terapias gênicas no futuro (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22801501).

Outro achado interessante no campo da genética foi a descoberta de uma proteína associada com DA, a TREM2. Esta molécula tem a função de promover a fagocitose microglial da ß-amiloide, e mutações em seu gene alterariam esta função fagocítica. Junto com outros achados relacionados com interleucinas, estes resultados impulsionam as pesquisas que investigam tratamentos baseados em imunomodulação ou terapias anti-inflamatórias na DA (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23150934). A propósito, este ano vimos 2 estudos clínicos com anticorpos monoclonais para tratamento de DA terem desfechos negativos, tanto com bapinezumab quanto solanezumab. Também 2 grandes coortes de indivíduos em risco de DA familiar foram iniciadas, e futuros dados sobre biomarcadores super-precoces podem nos ajudar no campo da prevenção.

Este ano, por incentivo do governo norte-americano, muitos artigos e revisões sobre encefalopatia traumática crônica foram publicados, em grande parte pelos crescentes índices de traumas em conflitos armados, esportes de alto impacto e acidentes de trânsito. Já no campo da pesquisa básica, uma hipótese sugerida por Braak nos últimos 15 anos vem ganhando força: modelos experimentais comprovaram a transmissão transsináptica de agregados proteicos anormais intracellares (tau e sinucleína), sugerindo que as doenças neurodegenerativas podem ter um caráter “infeccioso”, semelhante à propagação priônica. Sem dúvidas, isto seria uma descoberta avassaladora no campo da Neurodegeneração (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22365544; http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23161999).

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23237888

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Efeitos de adversidades no início da vida sobre o declínio cognitivo em idosos afro-americanos e brancos

(“Effects of early-life adversity on cognitive decline in older African Americans and whites”)

Barnes LL, Wilson RS, Everson-Rose SA, Hayward MD, Evans DA, Mendes de Leon CF

Neurology. 2012 Dec 11;79(24):2321-2327

Abstract: Objetivos: Adversidade no início da vida está relacionada à saúde do adulto na velhice, mas pouco se sabe sobre sua relação com declínio cognitivo. Métodos: Foram incluídos mais de 6100 moradores idosos (média de idade 74,9 anos; 61,8% de afro-americanos) envolvidos no “Chicago Health and Aging Project”, um estudo populacional e definido geograficamente de fatores de risco para doença de Alzheimer. Os participantes foram entrevistados em intervalos de aproximadamente 3 anos, por até 16 anos. A entrevista incluiu uma avaliação inicial das adversidades no início da vida, e a administração de 4 testes curtos de função cognitiva para se avaliar mudanças na função cognitiva. Nós estimamos a relação de adversidades no início da vida com a taxa de declínio cognitivo em séries de modelos de efeitos mistos. Resultados: Em modelos estratificados pela raça, e ajustados para idade e sexo, a adversidade no início da vida foi relacionada com declínio cognitivo em afro-americanos e brancos de modo diferente. Enquanto que nenhuma medida de adversidade no início da vida se relacionou com o declínio cognitivo em brancos, tanto privação de alimento quanto ser mais magro que a média das pessoas na infância esteve associada a uma taxa mais lenta de declínio cognitivo em afro-americanos. As relações não se associaram com os anos de educação e persistiram após ajuste para fatores cardiovasculares. Conclusão: Os marcadores de adversidade no início da vida tiveram um inesperado efeito protetor sobre o declínio cognitivo em afro-americanos.

Comentário: Este interessante estudo se baseou na conhecida relação entre o efeito de estados de calamidade humanitária (guerras, desastres naturais, fome etc) sobre crianças e aumento do risco de doenças cardiovasculares e mortalidade no futuro, para tentar estimar se tais adversidades no início da vida poderiam influenciar no declínio cognitivo na velhice, e consequentemente na conversão para DA. Os autores utilizaram o contexto histórico-social de indivíduos afro-americanos que sofreram os anos mais brutais de segregação racial nos EUA (primeiras décadas do século XX) para avaliar o efeito de tal miséria em longo prazo, entrevistando mais de 6000 idosos, e seguindo-os por até 16 anos, com avaliações cognitivas de 3 em 3 anos. Para comparação com os afro-americanos, foram usados idosos caucasianos. Porém, o resultado do estudo foi bem diferente do esperado: foi visto que os afro-americanos com mais adversidades na infância (principalmente relato de ter passado fome e ser mais magro que a maioria das crianças na época) tiveram um declínio cognitivo mais lento que os idosos caucasianos, mesmo com ajuste de escolaridade e fatores cardiovasculares. Metodologicamente, o estudo tem suas limitações: é um estudo retrospectivo, que baseia seus parâmetros em uma entrevista de poucas perguntas, sobre eventos que aconteceram há mais de 40 anos. Também é importante ressaltar que não se acredita que haja um efeito “racial” sobre o resultado: ele apenas indicaria que estas pessoas afro-americanas tiveram vidas muito difíceis na infância. Creio que um estudo médico-antropológico desta monta seria muito interessante de ser feito no Brasil, onde tivemos efeitos diretos do regime escravista em uma geração que viveu até meados do século passado.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23233682

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Além do fascículo arqueado: consenso e controvérsia na anatomia das conexões da linguagem

(“Beyond the arcuate fasciculus: consensus and controversy in the connectional anatomy of language”)

Dick AS, Tremblay P

Brain. 2012 Dec;135(Pt 12):3529-50

Abstract: O crescente consenso de que a linguagem esteja distribuída em redes corticais e subcorticais de larga escala trouxe consigo um foco sobre a anatomia das conexões da linguagem, ou como vias particulares de fibras conectam regiões com a rede de linguagem. Compreender a conectividade da rede de linguagem poderia fornecer vislumbres críticos a respeito da função, mas investigações recentes usando várias metodologias tanto em humanos quanto em primatas não-humanos geraram padrões de vias conflitantes fundamentais para a linguagem. Algumas destas vias classicamente consideradas como associadas à linguagem, como o fascículo arqueado, sofrem o questionamento de serem mais conexões de domínio geral que especializadas, o que representa uma mudança radical nesta perspectiva. Outras vias descritas em primatas não-humanos ainda precisam ser confirmadas em humanos. Nesta revisão, nós examinamos o consenso e a controvérsia nos estudos de conectividade de projeções da linguagem. Nós focamos em sete vias de feixes – o fascículo longitudinal superior e fascículo arqueado, o fascículo uncinado, a cápsula extrema, o fascículo longitudinal médio, o fascículo longitudinal inferior e o fascículo fronto-occipital inferior – que têm sido propostos para embasar a linguagem em humanos. Nós examinamos os métodos, em humanos e em primatas não-humanos, que foram usados para se investigar a conectividade destas vias, o contexto histórico que levou à compreensão atual de suas anatomias, e os correlatos funcionais e clínicos de cada via referente à linguagem. Nós concluímos com um desafio aos pesquisadores e clínicos para estabelecerem um quadro coerente, no qual a conectividade das vias de feixes possa ser sistematicamente incorporada ao estudo de linguagem.

Comentário: As bases neurobiológicas da linguagem foram estabelecidas por grandes pioneiros, hoje bastante conhecidos pelos neurologistas, como Karl Wernicke e Paul Broca, no fim do século XIX. O modelo criado, principalmente pelo primeiro, mostrou que áreas corticais especializadas no hemisfério esquerdo (lobo frontal inferior e lobo temporal posterior) eram conectadas por uma via expressa, o fascículo arqueado, integrando compreensão e expressão, numa fantástica harmonia. O problema é que este modelo tem mais de 100 anos, e cada vez mais evidências mostram que é extremamente simplista e obsoleto. Este ótimo artigo da Brain faz uma extensa revisão da literatura desta área, mostrando as controvérsias surgidas recentemente pelos novos achados de técnicas como DTI e sua tractografia. Em resumo, o modelo mais aceito atualmente é que existem dois sistemas paralelos de linguagem: um relacionado à execução da linguagem, sua articulação/expressão (sistema dorsal) e outro com a compreensão e entendimento/semântica das mensagens (sistema ventral). O clássico modelo área de Wernicke-arqueado-área de Broca seria uma parte apenas do sistema dorsal. Mesmo sendo um texto longo, creio que todo neurologista com alguma preocupação por neurofisiologia, semiologia e topografia deveria ler este artigo, pois ele mostra que nossa concepção geral a respeito de linguagem, de nossos livros-texto clássicos (vide “O Exame Neurológico”, de DeJong), está bastante antiquada.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23107648