A área de Wernicke – Evidências modernas e uma reinterpretação
(“The Wernicke area: Modern evidence and a reinterpretation”)
Binder JR
Neurology. 2015 Dec 15;85(24):2170-5
Comentário: Desde a cadeira mais básica da faculdade aprendemos a repetir o mantra “área de Wernicke é responsável pela compreensão da linguagem”, e então associamos àquela região posterior perissilviana como a dita região estratégica. O problema é que muito tempo de passou entre Karl Wernicke e nós, e vários novos métodos de se investigar a linguagem surgiram. O autor deste instigante artigo de revisão é mostrar o quanto este conceito de associar a área de Wernicke à compreensão está obsoleto.
O autor estabelece dois princípios que vão de encontro a este conceito: 1) a área de Wernicke é crítica para a produção da fala; 2) a área de Wernicke não é crítica para a compreensão da fala. Através de uma robusta série de evidências, o autor vai desmistificando a real função desta área cortical, que seria responsável por um processo essencial da linguagem chamado “recuperação fonêmica”. Simplificando, a recuperação fonêmica seria a nossa “voz mental”, o momento onde transformamos as palavras ouvidas, interpretados pelo córtex auditivo, em fonemas conhecidos, ou então geramos voluntariamente pensamentos em fonemas, como em uma conversa. A clássica área de Wernicke seria fundamental neste sistema de transformação de sinais em fonemas, o que explicaria a parafasia fonêmica gerada por lesões nesta área.
Trata-se de um tema que mostra a fragilidade daquela Neurologia localizatória, do século XIX, e que infelizmente ainda reverberamos em nossos livros de anatomia e fisiologia. Precisamos mudar paradigmas.
Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26567270
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Diagnóstico de demências através de espectroscopia por ressonância magnética 1H de alto campo no líquido cefalorraquidiano
(“Diagnosis of dementias by high-field 1H MRS of cerebrospinal fluid”)
Laakso MP, Jukarainen NM, Vepsäläinen J
J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2015 Dec;86(12):1286-90
Comentário: Minha nova paixão são os biomarcadores em doenças neurodegenerativas, principalmente na doença de Parkinson. Já vimos incansáveis vezes que nosso diagnóstico clínico é “bom”, mas não melhor que isso. Em casos clássicos, deixamos de diagnosticar doentes verdadeiros; se o caso for atípico, as taxas de insucesso sobem assustadoramente. Por isso o mundo inteiro corre atrás de exames que possam substituir de maneira mais eficaz o diagnóstico clínico.
Neste interessante artigo, os autores usam a espectroscopia de uma máquina de ressonância magnética (RM) de alto campo (11 T!) para analisar metabólitos do LCR de vários indivíduos com demências (doença de Alzheimer, demência vascular, degeneração lobar frontotemporal, demência por corpos de Lewy), comprometimento cognitivo leve (CCL) e controles (apenas para esclarecer, eles analisaram apenas as amostras de LCR devidamente preparado na máquina de RM, então foi necessária uma punção antes). Os resultados foram muito bons: para demência vascular (DV), degeneração lobar frontotemporal (DLFT) e demência por corpos de Lewy (DCL), a nova técnica conseguiu diagnosticar os casos verdadeiros em 100% das vezes, quando confrontado com pacientes controles normais. Para doença de Alzheimer (DA) clássico, a acurácia da espectroscopia foi razoável (85%), e um pouco melhor na detecção de DA fase inicial (pessoas recém-convertidas de CCL para DA, 92%). Entre detecção de formas distintas de demência, o melhor desempenho foi entre DCL e DA – 100% (aparentemente, esta técnica é bem acurada para diagnosticar esta sinucleinopatia). Quanto aos metabólitos que são mais úteis nesta detecção, há um pool de 31 substâncias que foram mais detectadas.
Ao começar a ler este artigo, pensei: “Legal, mas onde vou conseguir uma geringonça de 11T que faça este tipo de análise?”. Respondendo minhas dúvidas na discussão, os autores argumentam que os estudos com espectroscopia por RM em LCR remontam a década de 1990, onde não havia máquinas de alto campo. Pelo que eles dizem, qualquer máquina de RM que tenha hardware e software habilitados para espectroscopia tem capacidade de fazer esta análise. Não entendo nada de espectroscopia por RM, mas sei que espectrometria de massa (algo parecido com o que a RM faz) é um método com execução técnica e interpretação bem difícil, portanto coloco algumas interrogações no otimismo dos autores.
Independente disso, do ponto de vista da pesquisa clínica parece ser um método bem legal que deveria ser mais explorado para outras áreas.
Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26203158
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Avaliação clínica da função cognitiva social em doenças neurológicas
(“Clinical assessment of social cognitive function in neurological disorders”)
Henry JD, von Hippel W, Molenberghs P, Lee T, Sachdev PS
Nat Rev Neurol. 2016 Jan;12(1):28-39
Comentário: Cognição social é um tema pouco abordado por neurologistas, ofuscado em nossa prática diária pelos déficits de memória, função executiva, linguagem e habilidades visuoespaciais. A cognição social é um complexo sistema que nos permite viver bem em sociedade, e várias doenças neurológicas podem prejudicar estas altas habilidades.
Separadas em quatro habilidades de cognição social – teoria da mente, empatia afetiva, percepção social e comportamento social – os autores revisam maneiras de avaliar estas capacidades no contexto de quatro doenças neurológicas e psiquiátricas: esquizofrenia, transtornos do espectro autista, DA e DLFT variante comportamental. Olhando do ponto de vista neurológico, os autores comentam o importante comprometimento de percepção social na DA e do comportamento social na DLFT variante comportamental.
Trata-se de um bom artigo de revisão para os interessados em se aprofundar nos temas de cognição social.
Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26670297
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Institucionalização no ensaio “Donepezil e Memantina na Doença de Alzheimer Moderada a Grave” (DOMINO-AD): análises secundárias e post-hoc
(“Nursing home placement in the Donepezil and Memantine in Moderate to Severe Alzheimer’s Disease (DOMINO-AD) trial: secondary and post-hoc analyses”)
Howard R, McShane R, Lindesay J, Ritchie C, Baldwin A, Barber R, Burns A, Dening T, Findlay D, Holmes C, Jones R, Jones R, McKeith I,Macharouthu A, O’Brien J, Sheehan B, Juszczak E, Katona C, Hills R, Knapp M, Ballard C, Brown RG, Banerjee S, Adams J, Johnson T, Bentham P, Phillips PP
Lancet Neurol. 2015 Dec;14(12):1171-81
Comentário: O manejo da DA nas fases mais avançadas passa por eventos muito marcantes para a família: a perda total da independência funcional, incontinência esfincteriana, necessidade de cuidado total, institucionalização, hospitalizações de repetição e morte. E qual o impacto de nossas medicações sobre estes eventos? A literatura já vem mostrando algumas boas evidências, porém o estudo clínico DOMINO-AD foi desenhado para responder esta pergunta com mais propriedade.
Este ensaio comparou a evolução de pacientes com DA em fases moderada e avançada em quatro cenários: usando donepezil apenas, retirando donepezil e colocando memantina, associando memantina ao donepezil e retirando todas as drogas. Dentre outros desfechos (o desfecho que vamos comentar aqui é secundário), foi visto que o grupo de paciente onde foi retirado o donepezil e mantido sem medicação teve uma risco maior de ser institucionalizado do que o grupo de pacientes que usou a combinação donepezil + memantina, porém esta diferença ocorreu apenas nos primeiros 12 meses após início do estudo – nos três anos seguintes, as chances de institucionalização se igualaram.
No geral, isto mostra que há um risco de aumentar a velocidade de progressão da doença após a suspensão do inibidor de acetilcolinesterase, mesmo em fases avançadas. Isto faz toda a diferença no Brasil, pois o fornecimento gratuito é interrompido em pacientes com CDR 3. Em um artigo anterior do mesmo estudo (“Donepezil e Memantina para doença de Alzheimer moderada a grave” – postado em http://neuropolaca.com/2012/03/25/atualizacoes-em-neurologia-cognitiva-mar12/), já havíamos visto que a retirada das medicações pode acelerar a deterioração da doença. Estudo importante para os interessados em demência avançada.
Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26515660