Atualizações em Neurologia Cognitiva – Jun-Jul/15

Publicado: 04/08/2015 em Neurologia Cognitiva
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Demência avançada

(“Advanced dementia”)

Mitchell SL

N Engl J Med. 2015 Jun 25;372(26):2533-40

Abstract: Não há.

Comentário: Este é um artigo de grande importância para neurologistas, porém ainda mais fundamental para geriatras e profissionais da Enfermagem. Em geral, nós neurologistas nos concentramos pouco sobre o processo de manejo do paciente nos estágios mais avançados das demências, onde já não consegue se comunicar de modo eficaz, precisa de assistência para deslocamentos, passa grande parte do dia acamado e é incontinente. Preferimos discutir qual droga é ou não é mais eficaz em tal fase etc., com um grande sentimento de ceticismo e desesperança.

Nesta revisão, a autora mostra que o manejo de pacientes com demência avançada passa obrigatoriamente por uma franca conversa entre médico e familiar responsável, onde se estabelecem as metas de “como vão ser as coisas daqui para a frente”.  A ideia é que a família entenda que se trata de um processo irreversível, e que todos os esforços devem ocorrer no sentido de dar o maior conforto possível ao doente. Nesta conversa, devem ser definidas as condutas que serão tomadas caso algo aconteça, como intercorrências clínicas previstas, e os familiares devem estar livres para querer que seus familiares recebam três tipos de cuidados: (1) apenas paliativos, como antitérmicos e oxigênio, onde procedimentos invasivos e prolongadores de vida serão evitados, (2) manejo clínico padrão, incluindo uso de antibióticos, intubação orotraqueal, ventilação mecânica, vias de acesso central etc., e (3) o meio-termo, onde se admite tratamento como antibióticos, mas sem procedimentos dolorosos. A partir deste plano guia, cuidadores e família terão mais amparo sobre como proceder nas situações clínicas críticas, que certamente ocorrerão.

O artigo também fala de modo positivo sobre a internação destes pacientes em instituições voltadas para este tipo de cuidado, e desaconselha fortemente a hospitalização destes pacientes, principalmente pelo motivo do sofrimento neste período próximo à morte dos pacientes. Além disso, e para minha surpresa, mostra que várias sociedades (inclusive a Sociedade Americana de Geriatria e a Associação de Doença de Alzheimer) desaconselham a colocação de sondas gastroentéricas para alimentação destes pacientes com demência avançada, mesmo com risco de desnutrição e pneumonia aspirativa, principalmente pelos estudos observacionais mostrarem que uso de sondas não altera sobrevivência nestes pacientes, e é grande causa de desconforto. Trata-se de um artigo muito importante, que provavelmente fará você rever alguns conceitos sobre o cuidado deste tipo de paciente.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26107053

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A interface entre delirium e demência em adultos idosos

(“The interface between delirium and dementia in elderly adults”)

Fong TG, Davis D, Growdon ME, Albuquerque A, Inouye SK

Lancet Neurol. 2015 Aug;14(8):823-32

Abstract: Delirium e demência são duas das causas mais comuns de declínio cognitivo em idosos, mas suas inter-relações ainda são pouco compreendidas. Estudos prévios têm mostrado que demência é o principal fator de risco para delirium, e que delirium é um fator de risco independente para o desenvolvimento futuro de demência. Entretanto, a maior controvérsia é se o delirium é simplesmente um marcador de vulnerabilidade para a demência, se o efeito do delirium é apenas relacionado aos fatores precipitante, ou se o delirium per se pode provocar lesão neuronal permanente e levar à demência. Recentemente, todas estas hipóteses parecem ser verdadeiras. A evidência crescente de estudos epidemiológicos, clinicopatológicos, de neuroimagem, de biomarcadores e experimentais dá suporte a uma forte relação entre delirium e demência, com mecanismos patológicos compartilhados e distintos. Novas abordagens preventivas e terapêuticas que são voltadas para delirium podem oferecer uma almejada oportunidade para intervenções precoces, preservação da reserva cognitiva e prevenção do declínio cognitivo irreversível no envelhecimento.

Comentário: É bem conhecida a relação de via dupla entre delirium e demência, e cada vez mais temos interessantes evidências, de várias origens, que fortalecem esta associação e dão pistas sobre possíveis maneiras de prevenir que idosos que adquirem delirium tenha uma síndrome demencial no futuro. Os autores revisam, de maneira ampla e superficial, as várias modalidades de evidências sobre a relação delirium e demência. Revisão boa para quem deseja uma leitura rápida do tema.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26139023

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Fundamentos neuroanatômicos dos transtornos de nomeação em diferentes doenças neurológicas

(“Neuroanatomical foundations of naming impairments across different neurologic conditions”)

Gleichgerrcht E, Fridriksson J, Bonilha L

Neurology. 2015 Jul 21;85(3):284-92

Abstract: A habilidade de nomear objetos ou entidades abstratas é um aspecto essencial da fala e linguagem, sendo comumente considerada um componente central da função neurológica normal. Por esta razão, a avaliação na beira de leito da performance de nomeação é parte do exame neurológico, especialmente quando os déficits de linguagem podem significar o início precoce de uma doença progressiva ou a existência de um problema já estabelecido. A atual pesquisa em Neurociências sugere que [o ato de] nomear está vinculado a redes específicas e distribuídas que operam em sintonia para dar suporte a vários estágios de processamento, abrangendo desde o reconhecimento de objetos às palavras faladas. Deste modo, os estudos que avaliaram os tipos de transtorno de nomeação em pacientes com doenças neurológicas têm contribuído para a compreensão das formas adquiridas de déficit em nomear e dos estágios relacionados  durante o processamento normal da linguagem. Neste artigo, nós revisamos os mecanismos neurobiológicos que dão suporte à nomeação, com foco na aplicação clínica destes conceitos. Nós oferecemos uma visão geral dos estágios de processamento cognitivo que, hipoteticamente, estão associadas à nomeação. Para cada estágio, nós exploramos a evidência por trás de sua base neural, traçando paralelos com síndromes clínicas que geralmente alteram cada estágio. Nós revisamos os padrões de transtorno de nomeação em várias doenças neurológicas, incluindo distúrbios de linguagem clássicos, como a afasia pós-AVC ou a afasia progressiva primária, assim como outras doenças onde os déficits de linguagem pode ser sutis, mas úteis para o diagnóstico adequado. Neste contexto, nós fornecemos um guia estruturado e prático para a avaliação de nomeação na beira do leito, baseado na neurociência moderna, com objetivo de avaliação e diagnóstico das doenças neurológicas que afetam a linguagem.

Comentário: Uma das tarefas mais importantes de quem está iniciando na Neurologia é entender os processos e circuitos relacionados à linguagem, já que terão importância direta na compreensão de um dos principais sintomas neurológicos, a afasia. Nesta ótima revisão, os autores se concentram na base neural do processo de nomeação, desde a percepção do elemento a ser identificado, até sua evocação. Através de belas imagens e esquemas, os autores mostram que o processo de nomeação é baseado em quatro estágios básicos, a se saber:

a) Processamento e reconhecimento do estímulo externo: Quando você olha uma colher, “percebe” e reconhece do que se trata, sem muitos detalhes;

b) Processamento semântico do estímulo: Após reconhecer o objetivo (a colher), o momento que em você acessa seu significado, incluindo definição e função do mesmo;

c) Seleção da representação abstrata: Quando aquele objeto, que agora já se sabe o que é e para que serve, ganha um símbolo, um nome (ou lema, linguisticamente falando). No caso, surge o nome “colher”. Também chamado de “acesso léxico”;

d) Execução da evocação do nome do estímulo: O momento em que o nome é falado, escrito ou gesticulado;

O artigo é muito útil para quem deseja se aprofundar mais nestas bases neurais da linguagem, com uma objetiva correlação clínica. Imperdível para neurologistas, mas essencial para profissionais da Neuropsicologia e Fonoaudiologia.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26115732

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