Alfa-sinucleína fosforilada em fibras nervosas cutâneas diferenciam a doença de Parkinson de atrofia de múltiplos sistemas
(“Phosphorylated α-synuclein in skin nerve fibres differentiates Parkinson’s disease from multiple system atrophy”)
Zange L, Noack C, Hahn K, Stenzel W, Lipp A
Brain. 2015 Aug;138(Pt 8):2310-21
Abstract: A deposição de SNCA (também conhecida como alfa-sinucleína) fosforilada em fibras nervosas cutâneas tem sido demonstrada na doença de Parkinson (DP) pré e pós-morte. Mesmo assim, nenhum estudo pré-morte investigando a presença de SNCA fosforilada nas fibras nervosas simpáticas da pele na atrofia de múltiplos sistemas (AMS), outra sinucleinopatia, foi realizado. Neste estudo in vivo, [as biópsias de] pele do antebraço ventral de 10 pacientes com AMS e 10 pacientes com DP, além de seis controles com tremor essencial, foram examinadas por imunohistoquímica. Os depósitos de SNCA fosforilada nas fibras nervosas simpáticas cutâneas e a densidade de fibras nervosas dérmicas foram avaliados. Todos os pacientes com DP apresentaram depósitos de SNCA fosforilada nas fibras nervosas simpáticas da pele, correlacionando-se com a desnervação dos elementos autonômicos da pele, independente de idade. Em contraste, não foram encontrados depósitos de SNCA nas fibras nervosas autonômicas cutâneas de pacientes com AMS e nos indivíduos controles com tremor essencial. Estes achados sugerem que a deposição de SNCA fosforilada seja uma causa da degeneração de fibras nervosas na DP. Além disso, a investigação pré-morte da SNCA fosforilada em fibras nervosas cutâneas pode se mostrar um procedimento diagnóstico relevante e facilmente realizável para se diferenciar DP da AMS.
Comentário: Sim, mais artigos sobre biomarcadores de DP! Mais um estudo sobre investigação de alfa-sinucleína (A-Syn) no sistema nervoso autonômico, mas desta vez não é no trato gastrointestinal, e sim na pele. Como um bom órgão, a pele também é inervada pelo sistema nervoso autônomo, principalmente por fibras simpáticas associadas às glândulas sudoríparas, e vários autores já descreveram que há uma deposição de A-Syn também nestas pequenas fibras da pele. Contudo, ainda há problemas metodológicos que dificultam a interpretação dos resultados num todo.
Estes autores fizeram algumas coisas novas: optaram por marcar apenas a A-Syn fosforilada na posição 129, a modificação pós-traducional patológica mais associada à DP, nos ensaios de imunohistoquímica; além disso, avaliaram pela primeira vez pacientes com AMS com esta metodologia de biópsia de pele. Também escolheram biopsiar uma porção de pele na face ventral dos antebraços, pela maior concentração de glândulas sudoríparas. Como resultado, eles detectaram depósitos de A-Syn nas biópsias de pele de todos os pacientes com DP, enquanto não acharam nada na de pacientes com AMS e controles. Estes resultados são bons até demais, então vejo com um pouco de ressalvas, já que nenhum outro grupo conseguiu resultados de sensibilidade 100% até o momento. Além disso, é um estudo exploratório de hipótese, então tem várias limitações metodológicas. Certamente, a principal é a amostra (grupos com 6 a 10 pessoas).
Porém, estes resultados são muito encorajadores. Primeiro, porque é muito mais simples conseguir uma biópsia de pele do que uma amostra de cólon ou qualquer parte do trato gastrointestinal. É uma biópsia tipo “punch”, facilmente executada por qualquer médico, resultando num fragmento de pele com 3 mm. O ferimento cicatriza facilmente, e é bem seguro. Além disso, o processamento da amostra (formaldeído, parafina, micrótomo) é o padrão, e a parte mais fora de uma rotina patológica é a realização da imunohistoquímica para A-Syn, sendo que cada vez mais temos bons anticorpos monoclonais (tanto para imunohistoquímica quanto para imunoensaios) para A-Syn no mercado. Resumindo: parece ser um estudo simples de ser reproduzido aqui, o que me anima bastante, hehe. Imagine o impacto clínico do uso de uma biópsia simples de pele para diagnóstico específico da DP. É por isso que estamos buscando incessantemente por biomarcadores desta doença!
Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26017579
——————————————————————————————————————————————————————
Redefinindo ataxia cerebelar nas ataxias degenerativas: lições das pesquisas recentes sobre sistemas cerebelares
(“Redefining cerebellar ataxia in degenerative ataxias: lessons from recent research on cerebellar systems”)
Tada M, Nishizawa M, Onodera O
J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2015 Aug;86(8):922-8
Abstract: Os recentes avanços em nosso entendimento das funções neurofisiológicas no sistema cerebelar têm revelado que cada região envolvida nas ataxias degenerativas contribui de modo diferente. Para se regular os movimento voluntários, o cerebelo forma modelos internos em seus circuitos neurais que mimetizam o comportamento do sistema sensorimotor e de objetos do ambiente externo [o mundo externo]. O cerebelo forma dois diferentes modelos internos: um prospectivo [“forward”] e outro inverso. O modelo prospectivo é formado por sinais copiados eferentes [oriundos do sistema sensorimotor] e carreados pelo sistema corticopontocerebelar, e prevê as consequências estimadas para uma [determinada] ação. O modelo inverso descreve as sequências dos comandos motores para a realização de uma ação. Durante o aprendizado motor, nós melhoramos os modelos internos pela comparação entre as consequências estimadas de uma ação e a atual [e real] consequência de uma ação pelo modelo inverso. As funções do cerebelo englobam a formação, armazenamento e seleção de modelos internos. Considerando as propriedades neurofisiológicas do sistema cerebelar, nós classificamos as ataxias degenerativas clássicas em quatro tipos, de acordo com qual sistema é envolvido: [sistema das] células de Purkinje, sistema corticopontocerebelar, sistema espinocerebelar e [sistema dos] núcleos cerebelares profundos. Sobre suas respectivas contribuições para os modelos internos, nós especulamos que a perda de células de Purkinje provoca uma malformação de modelos internos, enquanto que o distúrbio do sistema aferente, [seja do] sistema corticopontocerebelar ou do sistema espinocerebelar, provoca uma má seleção dos modelos internos adequados [para um determinado ato motor]. A compreensão das propriedades fisiopatológicas das ataxias em cada ataxia degenerativa permite o desenvolvimento de novos métodos de avaliar as ataxias.
Comentário: Confesso que sou um grande fã das ataxias, e toda vez que examino um paciente atáxico, sinto a mesma sensação de perplexidade. Já li muita coisa sobre fisiologia cerebelar e fisiopatologia, e posso dizer que este artigo de revisão é um dos melhores textos sobre este tema que já li. Os autores inicialmente fazem uma revisão sobre os novos conceitos de como compreender a função dos sistemas cerebelares, e trazem um jeito novo de olhar estas funções. Os autores descrevem o cerebelo e suas vias aferentes e eferentes como um sistema gerador de projetos, ou como eles dizem, de “modelos internos”. Já compreendemos há muito tempo que o cerebelo aprimora a motricidade através de “projetos-padrão” pré-existentes e em constante evolução, e isso acontece de dois modos: através de um (1) sistema prospectivo (não sei se usei a melhor tradução, mas me pareceu adequada), onde através de informações sensoriais e motoras do córtex oriundas do ambiente, eu poderia “prever” se uma determinada ação vai dar certo ou não e escolher o melhor modelo interno para aquela situação; ou através de um (2) sistema inverso (ou retrospectivo, utilizando-me mais uma vez do vocabulário epidemiológico), onde após a realização de uma determinada ação, eu faço as correções adequadas nos modelos internos para a próxima ação ser mais correta. É neste binômio “sistema prospectivo/inverso” que os autores propõem analisar as várias ataxias degenerativas.
Após uma revisão neuroanatômica muito legal e direta (mais um motivo para ler o artigo), os autores propõem que todas as ataxias degenerativas genéticas (autossômicas recessivas, dominantes ou ligadas ao sexo), sejam reclassificadas de acordo com o sistema mais afetado. Daí eles inferem que existem quatro grandes sistemas cerebelares, e que cada ataxia degenerativa pode se enquadrar preferencialmente em um desses: sistema das células de Purkinje (digamos, o sistema cerebelar interno), sistema corticopontocerebelar e sistema espinocerebelar (estes chamados de sistemas aferentes), e o sistema dos núcleos cerebelares profundos (o sistema eferente, que emite sinais para o córtex, para o próprio tronco encefálico e para a medula espinhal), Eu até entendo a intenção dos autores, porém acho que esta nova proposição de classificação das ataxias não seria mais útil do que o que usamos atualmente.
Enfim, é um artigo denso e curto, com muitas informações (para a maioria de nós, apenas uma revisão de coisas já sabidas), e cumpre bem com a função de uma revisão sobre neuroanatomia/fisiologia cerebelar e sua translação para a clínica. Imperdível!
Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25637456
——————————————————————————————————————————————————————
Distúrbios de movimento na catatonia
(“Movement disorders in catatonia”)
Wijemanne S, Jankovic J
J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2015 Aug;86(8):825-32
Abstract: A catatonia é uma síndrome neuropsiquiátrica complexa caracterizada pelo amplo espectro de anormalidades motoras, de fala e comportamentais. “Flexibilidade cérea”, “posturas [atípicas]” e catalepsia estão entre as anormalidades motoras mais bem-reconhecidas vistas na catatonia. Entretanto, há várias anormalidades motoras associadas com a catatonia. O reconhecimento do espectro total da fenomenologia é crítico para um diagnóstico correto. Mesmo que existam poucos ensaios controlados, os benzodiazepínicos são considerados a terapia de primeira linha, e os antagonistas de receptor NMDA também parecem ser efetivos. A eletroconvulsoterapia é usada em pacientes resistentes à terapia medicamentosa. Uma causa relacionada à catatonia deve ser identificada e tratada para assegurar uma recuperação precoce e completa dos sintomas.
Comentário: Afinal, o que é catatonia? Mesmo os psiquiatras e as últimas versões do DSM têm dificuldade em definir esta complexa síndrome neuropsiquiátrica. Sabemos que ela está muito relacionada com doenças psiquiátricas clássicas, como a esquizofrenia e o transtorno afetivo bipolar, porém cada vez mais doenças neurológicas, como algumas infecções do sistema nervoso central e graves lesões estruturais, também podem cursar com esta síndrome. E como o DSM-V define catatonia? Para esta classificação, a pessoa deve preencher um mínimo 3 de 12 critérios clínicos: (1) mutismo, (2) estupor, (3) catalepsia, (4) flexibilidade cérea, (5) agitação, (6) negativismo, (7) posturas anormais, (8) maneirismos, (9) estereotipias, (10) “caretas faciais”, (11) ecolalia, ou (12) ecopraxia. Fácil, né?
Alguns destes critérios se misturam com nossa prática da avaliação de Distúrbios de Movimento, e são nestes aspectos que o artigo foca, de modo fenomenológico, do jeito que a gente gosta. Além disso, o artigo lembra que é comum vermos também sintomas catatônicos em pacientes com transtornos do espectro autista e indivíduos com retardo mental. Além disso, há relatos de catatonia aguda após retirada súbita de clozapina. A diferenciação entre catatonia aguda e outras síndromes de urgência e emergência, como o delirium, é também importante, principalmente porque o tratamento é diametralmente diferente (catatonia costuma melhorar com benzodiazepínicos, enquanto que no delirium esta classe de drogas pode piorar o quadro).
Agora a melhor parte: além de ter o selo “Prof. Joseph Jankovic” de excelência, o artigo é de graça e vem com 3 vídeos totalmente abertos!
Link: http://jnnp.bmj.com/content/86/8/825