Posts com Tag ‘Alfa-Sinucleína’

Como prions: a propagação de proteína tau e da alfa-sinucleína agregada na neurodegeneração

(“Like prions: the propagation of aggregated tau and α-synuclein in neurodegeneration”)

Goedert M, Masuda-Suzukake M, Falcon B

Brain. 2017 Feb;140(Pt 2):266-278

Comentário: Há alguns meses, li o livro de Stanley Pruisiner sobre sua saga na descoberta dos príons, o que lhe permitiu ganhar o prêmio Nobel. Fiquei particularmente impressionado com o rigor analítico deste neurologista/químico e com sua resiliência. Depois de ter dissecado vários mecanismos de como a proteína PrPSc se propaga, este mito se aventurou a dizer, lá na década de 1980, que provavelmente todas as doenças neurodegenerativas guardavam um mecanismo priônico. Obviamente, ele foi ignorado neste ponto.

Contudo, as últimas décadas têm mostrado novidades impressionantes no campo das doenças neurodegenerativas, e uma delas se refere a como estas doenças se disseminam em humanos. Michel Goedert, um dos descobridores do papel da alfa-sinucleína na patogênese da doença de Parkinson (DP), escreve nesta primorosa revisão tudo o que já sabemos sobre a tal “hipótese priônica” de doenças como a doença de Alzheimer, a demência frontotemporal e a própria DP. Segundo esta hipótese, todas as doenças neurodegenerativas causadas por proteínas (proteinopatias) seriam provocadas por proteínas anormais com alta capacidade de agregação, e que são capazes de induzir proteínas normais a se tornarem anormais. Isto explicaria parte dos conhecidos padrões de disseminação de alguma destas doenças.

Outra consequência desta hipótese, potencialmente mais perigosa, é que haveria um certo risco de contágio destas doenças degenerativas para pessoas saudáveis, no caso de contato com tecido nervoso e LCR, como ocorre na doença de Creutzfeldt-Jakob. Felizmente, todos os estudos epidemiológicos que exploraram esta possibilidade não encontraram qualquer aumento de risco de se desenvolver DP ou Alzheimer por estes mecanismos.

Em relação à revisão em si, confesso que fiquei impressionado com o grau de evidências e dados já descritos, que envolvem:

– Modelos animais de disseminação da agregação proteica anormal, após inoculação de extratos cerebrais com as proteínas envolvidas em animais saudáveis (o que me parece bastante perturbador se transmitir uma proteinopatia…);

– A existência de modelos explicando o processo de liberação e captação sináptica das proteínas anormais agregadas, que torna possível a transmissão interneuronal da alfa-sinucleína e da tau anormal;

– Pesquisas com moléculas potencialmente capazes de bloquear esta transmissão interneuronal de proteínas anormais. Caso funcionem, são terapêuticas promissoras;

Não é um texto muito simples de se ler (como a maioria das revisões da Brain), mas o tema é extremamente atual e promete muito.

Link: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27658420

Alfa-sinucleína fosforilada em fibras nervosas cutâneas diferenciam a doença de Parkinson de atrofia de múltiplos sistemas

(“Phosphorylated α-synuclein in skin nerve fibres differentiates Parkinson’s disease from multiple system atrophy”)

Zange L, Noack C, Hahn K, Stenzel W, Lipp A

Brain. 2015 Aug;138(Pt 8):2310-21

Abstract: A deposição de SNCA (também conhecida como alfa-sinucleína) fosforilada em fibras nervosas cutâneas tem sido demonstrada na doença de Parkinson (DP) pré e pós-morte. Mesmo assim, nenhum estudo pré-morte investigando a presença de SNCA fosforilada nas fibras nervosas simpáticas da pele na atrofia de múltiplos sistemas (AMS), outra sinucleinopatia, foi realizado. Neste estudo in vivo, [as biópsias de] pele do antebraço ventral de 10 pacientes com AMS e 10 pacientes com DP, além de seis controles com tremor essencial, foram examinadas por imunohistoquímica. Os depósitos de SNCA fosforilada nas fibras nervosas simpáticas cutâneas e a densidade de fibras nervosas dérmicas foram avaliados. Todos os pacientes com DP apresentaram depósitos de SNCA fosforilada nas fibras nervosas simpáticas da pele, correlacionando-se com a desnervação dos elementos autonômicos da pele, independente de idade. Em contraste, não foram encontrados depósitos de SNCA nas fibras nervosas autonômicas cutâneas de pacientes com AMS e nos indivíduos controles com tremor essencial. Estes achados sugerem que a deposição de SNCA fosforilada seja uma causa da degeneração de fibras nervosas na DP. Além disso, a investigação pré-morte da SNCA fosforilada em fibras nervosas cutâneas pode se mostrar um procedimento diagnóstico relevante e facilmente realizável para se diferenciar DP da AMS.

Comentário: Sim, mais artigos sobre biomarcadores de DP! Mais um estudo sobre investigação de alfa-sinucleína (A-Syn) no sistema nervoso autonômico, mas desta vez não é no trato gastrointestinal, e sim na pele. Como um bom órgão, a pele também é inervada pelo sistema nervoso autônomo, principalmente por fibras simpáticas associadas às glândulas sudoríparas, e vários autores já descreveram que há uma deposição de A-Syn também nestas pequenas fibras da pele. Contudo, ainda há problemas metodológicos que dificultam a interpretação dos resultados num todo.

Estes autores fizeram algumas coisas novas: optaram por marcar apenas a A-Syn fosforilada na posição 129, a modificação pós-traducional patológica mais associada à DP, nos ensaios de imunohistoquímica; além disso, avaliaram pela primeira vez pacientes com AMS com esta metodologia de biópsia de pele. Também escolheram biopsiar uma porção de pele na face ventral dos antebraços, pela maior concentração de glândulas sudoríparas. Como resultado, eles detectaram depósitos de A-Syn nas biópsias de pele de todos os pacientes com DP, enquanto não acharam nada na de pacientes com AMS e controles. Estes resultados são bons até demais, então vejo com um pouco de ressalvas, já que nenhum outro grupo conseguiu resultados de sensibilidade 100% até o momento. Além disso, é um estudo exploratório de hipótese, então tem várias limitações metodológicas. Certamente, a principal é a amostra (grupos com 6 a 10 pessoas).

Porém, estes resultados são muito encorajadores. Primeiro, porque é muito mais simples conseguir uma biópsia de pele do que uma amostra de cólon ou qualquer parte do trato gastrointestinal. É uma biópsia tipo “punch”, facilmente executada por qualquer médico, resultando num fragmento de pele com 3 mm. O ferimento cicatriza facilmente, e é bem seguro. Além disso, o processamento da amostra (formaldeído, parafina, micrótomo) é o padrão, e a parte mais fora de uma rotina patológica é a realização da imunohistoquímica para A-Syn, sendo que cada vez mais temos bons anticorpos monoclonais (tanto para imunohistoquímica quanto para imunoensaios) para A-Syn no mercado. Resumindo: parece ser um estudo simples de ser reproduzido aqui, o que me anima bastante, hehe. Imagine o impacto clínico do uso de uma biópsia simples de pele para diagnóstico específico da DP. É por isso que estamos buscando incessantemente por biomarcadores desta doença!

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26017579

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Redefinindo ataxia cerebelar nas ataxias degenerativas: lições das pesquisas recentes sobre sistemas cerebelares

(“Redefining cerebellar ataxia in degenerative ataxias: lessons from recent research on cerebellar systems”)

Tada M, Nishizawa M, Onodera O

J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2015 Aug;86(8):922-8

Abstract: Os recentes avanços em nosso entendimento das funções neurofisiológicas no sistema cerebelar têm revelado que cada região envolvida nas ataxias degenerativas contribui de modo diferente. Para se regular os movimento voluntários, o cerebelo forma modelos internos em seus circuitos neurais que mimetizam o comportamento do sistema sensorimotor e de objetos do ambiente externo [o mundo externo]. O cerebelo forma dois diferentes modelos internos: um prospectivo [“forward”] e outro inverso. O modelo prospectivo é formado por sinais copiados eferentes [oriundos do sistema sensorimotor] e carreados pelo sistema corticopontocerebelar, e prevê as consequências estimadas para uma [determinada] ação. O modelo inverso descreve as sequências dos comandos motores para a realização de uma ação. Durante o aprendizado motor, nós melhoramos os modelos internos pela comparação entre as consequências estimadas de uma ação e a atual [e real] consequência de uma ação pelo modelo inverso. As funções do cerebelo englobam a formação, armazenamento e seleção de modelos internos. Considerando as propriedades neurofisiológicas do sistema cerebelar, nós classificamos as ataxias degenerativas clássicas em quatro tipos, de acordo com qual sistema é envolvido: [sistema das] células de Purkinje, sistema corticopontocerebelar, sistema espinocerebelar e [sistema dos] núcleos cerebelares profundos. Sobre suas respectivas contribuições para os modelos internos, nós especulamos que a perda de células de Purkinje provoca uma malformação de modelos internos, enquanto que o distúrbio do sistema aferente, [seja do] sistema corticopontocerebelar ou do sistema espinocerebelar, provoca uma má seleção dos modelos internos adequados [para um determinado ato motor]. A compreensão das propriedades fisiopatológicas das ataxias em cada ataxia degenerativa permite o desenvolvimento de novos métodos de avaliar as ataxias.

Comentário: Confesso que sou um grande fã das ataxias, e toda vez que examino um paciente atáxico, sinto a mesma sensação de perplexidade. Já li muita coisa sobre fisiologia cerebelar e fisiopatologia, e posso dizer que este artigo de revisão é um dos melhores textos sobre este tema que já li. Os autores inicialmente fazem uma revisão sobre os novos conceitos de como compreender a função dos sistemas cerebelares, e trazem um jeito novo de olhar estas funções. Os autores descrevem o cerebelo e suas vias aferentes e eferentes como um sistema gerador de projetos, ou como eles dizem, de “modelos internos”. Já compreendemos há muito tempo que o cerebelo aprimora a motricidade através de “projetos-padrão” pré-existentes e em constante evolução, e isso acontece de dois modos: através de um (1) sistema prospectivo (não sei se usei a melhor tradução, mas me pareceu adequada), onde através de informações sensoriais e motoras do córtex oriundas do ambiente, eu poderia “prever” se uma determinada ação vai dar certo ou não e escolher o melhor modelo interno para aquela situação; ou através de um (2) sistema inverso (ou retrospectivo, utilizando-me mais uma vez do vocabulário epidemiológico), onde após a realização de uma determinada ação, eu faço as correções adequadas nos modelos internos para a próxima ação ser mais correta. É neste binômio “sistema prospectivo/inverso” que os autores propõem analisar as várias ataxias degenerativas.

Após uma revisão neuroanatômica muito legal e direta (mais um motivo para ler o artigo), os autores propõem que todas as ataxias degenerativas genéticas (autossômicas recessivas, dominantes ou ligadas ao sexo), sejam reclassificadas de acordo com o sistema mais afetado. Daí eles inferem que existem quatro grandes sistemas cerebelares, e que cada ataxia degenerativa pode se enquadrar preferencialmente em um desses: sistema das células de Purkinje (digamos, o sistema cerebelar interno), sistema corticopontocerebelar e sistema espinocerebelar (estes chamados de sistemas aferentes), e o sistema dos núcleos cerebelares profundos (o sistema eferente, que emite sinais para o córtex, para o próprio tronco encefálico e para a medula espinhal), Eu até entendo a intenção dos autores, porém acho que esta nova proposição de classificação das ataxias não seria mais útil do que o que usamos atualmente.

Enfim, é um artigo denso e curto, com muitas informações (para a maioria de nós, apenas uma revisão de coisas já sabidas), e cumpre bem com a função de uma revisão sobre neuroanatomia/fisiologia cerebelar e sua translação para a clínica. Imperdível!

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25637456

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Distúrbios de movimento na catatonia

(“Movement disorders in catatonia”)

Wijemanne S, Jankovic J

J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2015 Aug;86(8):825-32

Abstract: A catatonia é uma síndrome neuropsiquiátrica complexa caracterizada pelo amplo espectro de anormalidades motoras, de fala e comportamentais. “Flexibilidade cérea”, “posturas [atípicas]” e catalepsia estão entre as anormalidades motoras mais bem-reconhecidas vistas na catatonia. Entretanto, há várias anormalidades motoras associadas com a catatonia. O reconhecimento do espectro total da fenomenologia é crítico para um diagnóstico correto. Mesmo que existam poucos ensaios controlados, os benzodiazepínicos são considerados a terapia de primeira linha, e os antagonistas de receptor NMDA também parecem ser efetivos. A eletroconvulsoterapia é usada em pacientes resistentes à terapia medicamentosa. Uma causa relacionada à catatonia deve ser identificada e tratada para assegurar uma recuperação precoce e completa dos sintomas.

Comentário: Afinal, o que é catatonia? Mesmo os psiquiatras e as últimas versões do DSM têm dificuldade em definir esta complexa síndrome neuropsiquiátrica. Sabemos que ela está muito relacionada com doenças psiquiátricas clássicas, como a esquizofrenia e o transtorno afetivo bipolar, porém cada vez mais doenças neurológicas, como algumas infecções do sistema nervoso central e graves lesões estruturais, também podem cursar com esta síndrome. E como o DSM-V define catatonia? Para esta classificação, a pessoa deve preencher um mínimo 3 de 12 critérios clínicos: (1) mutismo, (2) estupor, (3) catalepsia, (4) flexibilidade cérea, (5) agitação, (6) negativismo, (7) posturas anormais, (8) maneirismos, (9) estereotipias, (10) “caretas faciais”, (11) ecolalia, ou (12) ecopraxia. Fácil, né?

Alguns destes critérios se misturam com nossa prática da avaliação de Distúrbios de Movimento, e são nestes aspectos que o artigo foca, de modo fenomenológico, do jeito que a gente gosta. Além disso, o artigo lembra que é comum vermos também sintomas catatônicos em pacientes com transtornos do espectro autista e indivíduos com retardo mental. Além disso, há relatos de catatonia aguda após retirada súbita de clozapina. A diferenciação entre catatonia aguda e outras síndromes de urgência e emergência, como o delirium, é também importante, principalmente porque o tratamento é diametralmente diferente (catatonia costuma melhorar com benzodiazepínicos, enquanto que no delirium esta classe de drogas pode piorar o quadro).

Agora a melhor parte: além de ter o selo “Prof. Joseph Jankovic” de excelência, o artigo é de graça e vem com 3 vídeos totalmente abertos!

Link: http://jnnp.bmj.com/content/86/8/825

Atualização em doença de Huntington: avanços nos cuidados e opções terapêuticas emergentes

(“Update on Huntington’s disease: Advances in care and emerging therapeutic options”)

Zielonka D, Mielcarek M, Landwehrmeyer GB

Parkinsonism Relat Disord. 2014 Dec 19. [Epub ahead of print]

Abstract: Introdução: A doença de Huntington (DH) é a doença neurodegenerativa hereditária mais comum. Apesar da identificação do gene e da mutação causadora desta doença monogenética há mais de 20 anos, ainda não foram estabelecidos tratamentos modificadores de doença. Revisão: Enquanto intensas pesquisas pré-clínicas e grandes estudos de coorte em DH tornaram possíveis a identificação de alvos para intervenções terapêuticas e desenvolvimento de novas modalidades terapêuticas (novos compostos e terapias avançadas que usam moléculas de DNA e RNA como agentes terapêuticos), este ainda é um processo em andamento. Os autores revisaram as recentes descobertas na pesquisa em DH e focaram nas terapias modificadoras de doença, desde estratégias para se reduzir a huntingtina à melhora na retirada de huntingtina através de modificações pós-traducionais da HTT. Conclusão: A natureza e o número de novos ensaios/estudos clínicos em DH é um motivo de esperança para os pacientes com DH e seus familiares.

Comentário: Interessante revisão sobre novos tratamentos de DH, principalmente por focar grande parte no texto em possíveis terapias genéticas com RNA de interferência e agentes modificadores da acetilação das histonas. O artigo também tem bons algoritmos práticos para manejo da coreia, transtorno depressivo e comportamento obsessivo-compulsivo. Leitura rápida e muito válida.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25572500

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Exercício para prevenção de quedas na doença de Parkinson

(“Exercise for falls prevention in Parkinson disease: A randomized controlled trial”)

Canning CG, Sherrington C, Lord SR, Close JC, Heritier S, Heller GZ, Howard K, Allen NE, Latt MD, Murray SM, O’Rourke SD, Paul SS, Song J,Fung VS

Neurology. 2015 Jan 20;84(3):304-12

Abstract: Objetivo: Determinar se as quedas podem ser prevenidas com exercícios minimamente supervisionados focando em fatores de risco modificáveis para quedas, como desequilíbrio, fraqueza em membros inferiores e congelamento de marcha, em pessoas com doença de Parkinson (DP). Métodos: 231 pessoas com DP foram randomizadas em um grupo exercício e outro grupo controle com cuidados habituais. Os exercícios foram praticados por 40 a 60 minutos, três vezes por semana durante 6 meses. Os desfechos primários foram taxa de quedas e proporção de pessoas que caíram durante o período da intervenção. Os desfechos secundários foram físicos (equilíbrio, mobilidade, congelamento de marcha, atividade física habitual), psicológicos (medo de cair, afeto), e medidas de qualidade de vida. Resultados: Não houve diferença significativa entre os grupos na taxa de quedas (IRR = 0.73, IC95% 0.45-1.17; p = 0.18) ou na proporção de pessoas que caíram (p = 0.45). A análise pré-planejada de subgrupos revelou uma interação significativa com a gravidade dos sintomas (p < 0.001). No subgrupo com doença mais leve, houve menos quedas no grupo exercício (IRR = 1.61, IC95% 0.86-3.03; p = 0.13). Após o período de intervenção, o grupo exercício pontuou significativamente melhor (p < 0.05) que controles na Bateria Curta de Performance Física, teste de sente e ficar em pé, medo de queda, afeto e qualidade de vida, após ajuste para a performance inicial. Conclusões: Um programa de exercícios focado em equilíbrio, força das pernas e em congelamento de marcha não reduziu as quedas, mas melhorou a saúde física e psicológica. As quedas foram reduzidas em pessoas com doença mais leve, mas não naqueles com doença mais avançada. Classificação da evidência: Este estudo fornece uma evidência classe III de que, em pacientes com DP, um programa de exercícios minimamente supervisionado não reduz as quedas. Este estudo não mostrou com precisão se há redução moderada ou aumento discreto no risco de quedas com o exercício.

Comentário: Este é um estudo bem interessante. Conforme outros artigos já comentados no JEAN, a prática de exercícios físicos e treinos específicos (tai-chi, tango) melhora alguns aspectos relacionados com a estabilidade postural na DP, assim como reduz o risco de quedas. Como sabemos, geralmente é problemático para um paciente idoso se deslocar para fazer um treino fora de casa, principalmente se ele tiver DP, ou ter um educador físico domiciliar. Os autores deste estudo projetaram um programa de exercícios voltado para a prática em casa, sem supervisão direta de profissionais de educação física, porém apenas com sessões mensais de orientação especializada, durante 6 meses. Este programa de exercícios físicos visou trabalhar principalmente as habilidades de equilíbrio, marcha e força de membros inferiores (o protocolo de exercícios pode ser visto no link http://www.webb.org.au/attachments/File/WEBB_draft_19.pdf).

Os resultados finais mostraram que esta modalidade de programa de exercícios físicos sem um educador físico diretamente presente não reduziu o número de quedas no grupo onde foi aplicado o protocolo, porém houve melhora em vários outros aspectos físicos e psicológicos, como no medo de cair. Além disso, o programa de exercício foi significativamente eficaz em reduzir quedas apenas nos pacientes com DP inicial, mostrando que esta iniciativa deve ser mais explorada, principalmente nos pacientes com poucos sintomas motores.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25552576

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Alfa-sinucleína na mucosa colônica carece de especificidade como biomarcador para doença de Parkinson

(“Colonic mucosal α-synuclein lacks specificity as a biomarker for Parkinson disease”)

Visanji NP, Marras C, Kern DS, Al Dakheel A, Gao A, Liu LW, Lang AE, Hazrati LN

Neurology. 2015 Jan 14 [Epub ahead of print]

Abstract: Objetivo: Determinar a utilidade da detecção de alfa-sinucleína (aSyn) em tecido de biópsia de mucosa colônica como um biomarcador diagnóstico para DP. Métodos: Nós usamos o “blot” de tecido em parafina, que degrada a aSyn fisiológica não-agregada usando proteinase K e melhora a recuperação antigênica que permite a detecção mais sensível e seletiva dos agregados proteicos remanescentes, para detectar aSyn em biópsias de mucosa colônica de 15 pacientes com DP inicial (< 3 anos de doença), 7 pacientes com DP avançada (> 5 anos), e 11 indivíduos sem DP. aSyn e aSyn fosforilada na serina 129 (Ser129p-aSyn) foram avaliadas pelo blot com tecido em parafina e por imunohistoquímica convencional. Resultados: Os agregados de aSyn e de Ser129p-aSyn resistentes ao “blot” em parafina estavam presentes em 12 dos 15 indivíduos com PD inicial, 7 dos 7 indivíduos com DP avançada, e 11 dos 11 indivíduos controle. O número de biópsias positivas para o “blot” em parafina, em relação à imunohistoquímica convencional, foi significativamente menor nos grupos com DP quando comparados aos controles, tanto para aSyn quanto para Ser129p-aSyn, enquanto que a imunohistoquímica de rotina (convencional) foi positiva mais frequentemente nos grupos DP, mas também foi positiva em 9 dos 11 indivíduos controle. Conclusão: A forte evidência da presença de aSyn hiperfosforilada agregada em indivíduos com e sem DP, através de um método sensível e específico como o “blot” em parafina, sugere que a deposição colônica de aSyn não é um teste biomarcador útil para DP. A utilidade de se detectar aSyn no cólon como um biomarcador, em combinação com outras avaliações, ainda precisa ser esclarecida.

Comentário: Voltemos a um dos meus assuntos preferidos: biomarcadores na DP. Nos últimos 5 anos, temos visto vários estudos apontando para uma estranha presença excessiva de aSyn no trato gastrointestinal de pessoas que têm DP, incluindo o cólon. Vários trabalhos mostraram a presença de neuritos de aSyn na região da submucosa colônica em pacientes com DP, poupando pessoas sem a doença. Tudo levava a crer que a biópsia de cólon talvez se tornasse uma ferramenta na tão sofrida corrida pelo diagnóstico precoce da DP. O trabalho acima vai de encontro a esta lógica de raciocínio: os autores mostraram que, na região mucosa do cólon, tanto indivíduos sem DP quanto os pacientes com a doença possuem considerável presença da proteína agregada, e deste modo, é impraticável se usar a presença de aSyn no cólon como biomarcador de DP.

Os pesquisadores que fizeram este trabalho são extremamente competentes e conhecidos, e, além disso, outros grupos já vinham mostrando a presença de aSyn no cólon de pessoas sem DP. Porém, acho que essa falta de especificidade deve ser mais bem investigada, pois sabemos que no mundo da imunohistoquímica pequenas variações de protocolo e de anticorpos provocam confusões terríveis. Também devemos ressaltar que os estudos clássicos dessa hipótese avaliaram submucosa de cólon, e não a mucosa.

Há alguns anos atrás, eu tentei iniciar um estudo sobre esse mesmo tema, e esbarrei em uma série de problemas metodológicos. Um deles era o fato de os colonoscopistas não quererem aprofundar a biópsia para captar a submucosa, pelo risco aumentado de sangramento no procedimento. Na verdade, eu confesso que minhas esperanças estavam na mucosa colônica também ser útil na detecção de aSyn na DP, para que não precisássemos de uma biópsia mais invasiva e que qualquer colonoscopia pudesse ser fonte de material. Este estudo foi banho de água fria. Espero que eles estejam errados, hehe.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25589666

Biópsia por agulha de glândula submandibular para diagnóstico da doença de Parkinson

(“Submandibular gland needle biopsy for the diagnosis of Parkinson disease”)

Adler CHDugger BNHinni MLLott DGDriver-Dunckley EHidalgo JHenry-Watson JSerrano GSue LINagel TDuffy AShill HAAkiyama HWalker DG,Beach TG

Neurology. 2014 Mar 11;82(10):858-64

Abstract: Objetivo: Este estudo investiga biópsias de glândulas salivares em pacientes vivos com doença de Parkinson (DP). Métodos: Pacientes com DP por > 5 anos foram submetidos a uma biópsia transcutânea por agulha ambulatorial (agulha 18G ou 16G) de uma glândula submandibular. Glândulas salivares menores foram removidas via pequena incisão no lábio inferior. O tecido foi fixado em formalina e secções seriais em parafina foram coradas por imunohistoquímica para alfa-sinucleína fosforilada e verificada a evidência de alfa-sinucleinopatia tipo Lewy (LTS). Resultados: Quinze pacientes com DP foram biopsiados: 9 mulheres/6 homens, média de idade 68,7 anos, duração média da DP 11,8 anos. Doze das biópsias por agulha tinham tecido de glândula submandibular microscopicamente evidente para análise, e 9 das 12 (75%) tinham LTS. Apenas uma de 15 (6,7%) biópsias de glândula salivar menor foi positiva para LTS. Cinco pacientes tiveram um evento adverso; todos foram leves e transitórios. Conclusões: Este estudo demonstra a exequibilidade de realização de biópsias por agulhada glândula submandibular em pacientes vivos com DP para avaliação da LTS. Mesmo sendo um pequeno estudo, este método de biópsia de tecido pode ser importante para a confirmação patológica de DP em pacientes eletivos para procedimentos invasivos e em pesquisas de outros biomarcadores para DP.

Comentário: O campo de pesquisas em biomarcadores da DP é um dos mais excitantes da Neurologia atual. Desde o artigo seminal de Braak e Del Tredici em 1999, a hipótese de que a neurodegeneração da DP pode se iniciar no sistema nervoso periférico tem sido confirmada progressivamente, e baseados nesta ideia, o grupo do Prof. Thomas Beach tem investigado a presença de alfa-sinucleína em vários tecidos periféricos, com resultados muito importantes em cadáveres. Estes estudos pós-morte prévios mostraram que há uma alta concentração de alfa-sinucleína nas glândulas salivares, e baseado neste princípio, o grupo testou a hipótese, pela primeira vez, em pacientes vivos com DP, e viram a presença de alfa-sinucleína em 75% das biópsias adequadas. Mesmo sendo um trabalho de comprovação de conceito e com várias limitações, eu considero um resultado fundamental para que mais grupos repliquem estes fabulosos resultados. Caso a utilidade deste exame seja ratificada, finalmente teremos um exame complementar que reforça o diagnóstico de DP, com incontáveis aplicações médicas.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24500652

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Extratos de corpos de Lewy de encéfalos com doença de Parkinson desencadeiam patologia de alfa-sinucleína e neurodegeneração em camundongos e macacos

(“Lewy body extracts from Parkinson’s disease brains trigger α-synuclein pathology and neurodegeneration in mice and monkeys”)

Recasens ADehay BBové JCarballo-Carbajal IDovero SPérez AFernagut POBlesa JParent APerier CFariñas IObeso JABezard EVila M

Ann Neurol. 2014;75:351-362

Abstract: Objetivos: Crescentes evidências sugerem que a alfa-sinucleína (ASyn), um componente proteico importante do corpo de Lewy (CL), pode ser responsável pelo início e disseminação do processo patológico na doença de Parkinson (DP). Apoiando este conceito, a inoculação intracerebral de fibrilas de ASyn recombinante sintética podem se aplicar à ASyn patológica ligada à DP e ocorrer em espécies próximas à humana. Métodos: Frações de CL nigrais contendo ASyn patológica foram purificadas de encéfalos pós-morte com DP através de fracionamento por gradiente de sacarose e, subsequentemente inoculadas na substância negra (SN) ou estriado de camundongos selvagens e de macacos. Os animais controle receberam frações [proteicas] não-CL contendo ASyn solúvel derivada dos mesmos encéfalos com DP. Resultados: Tanto em camundongos quanto em macacos, as inoculações intranigrais ou intraestriatais de extrato de CL derivado de DP resultaram em neurodegeneração nigroestriatal progressiva, iniciando nos terminais dopaminérgicos estriatais. Não houve neurodegeneração em animais que receberam frações não-CL dos mesmo pacientes. Em animais injetados com CL, a ASyn humana exógena foi rapidamente internalizada por neurônios hospedeiros e desencadearam uma conversão patológica da ASyn endógena. No início da degeneração induzida por CL, houve acúmulo difuso de ASyn patológica do hospedeiro [do animal] dentro dos neurônios da SN e de regiões interconectadas anatomicamente, tanto anterogradamente quanto retrogradamente. Os efeitos patogênicos induzidos pelos CL necessitaram da presença de ASyn humana nos extratos de CL e da expressão de ASyn do hospedeiro. Interpretação: As espécies de ASyn contidas nos CL derivados de DP são patogênicos e tem a capacidade de iniciar um processo patológico semelhante à DP, incluindo o acúmulo intracelular e pré-sináptico de ASyn em diferentes regiões encefálicas e uma lenta e progressiva neurodegeneração nigroestriatal dopaminérgica iniciada nos axônios.

Comentário: Falando novamente sobre o profeta da Neuropatologia, o Prof. Heiko Braak, após alguns interessantes achados de seu grupo, ele propôs que a DP talvez fosse adquirida pela ingesta de algo oriundo do ambiente, e que, por mecanismos semelhantes ao das doenças priônicas, onde este tal agente seria introduzido no trato gastrointestinal, e se disseminaria por contiguidade por todo sistema nervoso central de modo caudorostral. Foi duramente criticado na época, por tentar sugerir que a DP pudesse ser uma espécie de doença priônica mediada pela ASyn. Porém, há quase dois anos temos visto surgirem inúmeros artigos mostrando, experimentalmente, que a inoculação de ASyn patológica sintética no encéfalo de animais normais induz a formação de agregados semelhantes nos neurônios próximos ao local que recebeu a injeção, e também nos neurônios que se conectam os estas áreas afetadas, sugerindo que pode haver sim um componente priônico na fisiopatologia da DP.

Contudo, faltava um desenho experimental mais ousado e amplo. Foi o que estes autores fizeram: falando em bom português, eles extraíram corpos de Lewy da SN de encéfalos de indivíduos que tinham DP quando vivos, processaram esta amostra e inocularam em áreas dos núcleos da base de camundongos e macacos. O resultado foi que estes animais “infectados” iniciaram um processo patológico neurodegenerativo semelhante ao visto na DP, além de ter desencadeado uma expressão considerável de ASyn onde não havia antes. De modo muito simplista, poderíamos dizer que os animais foram “infectados” com doença de Parkinson através de restos do cérebro de pessoas que tinham a doença. A ideia é, inclusive, muito semelhante aos modelos de transmissão de proteína priônica entre espécies, estudados inicialmente por Gajdusek e aperfeiçoados por Stanley Prusiner (ambos ganhadores do Nobel por estas descobertas). O artigo é muito bem feito, com vários experimentos descritos reforçando a associação entre a inoculação de ASyn patológica e o desencadeamento de uma resposta patológica. Como os próprios autores comentaram, no momento não é possível dizer se isso acontece porque a ASyn patológica transforma ASyn normal e se dissemina como um príon, ou se este fenômeno é apenas uma resposta celular à presença da proteína exógena.

Particularmente, eu penso que estes achados não são uma resposta celular geral. Cada vez mais acredito que quase todas as proteinopatias tenham um mecanismo de disseminação semelhante ao das doenças priônicas. No entanto, para que isso seja confirmado, ainda precisamos de um modelo experimental que consiga distinguir com exatidão que esta neurodegeneração induzida por ASyn patológica é realmente pela transmissão axonal anterógrada e retrógrada de uma proteína que tem a capacidade de transformar formas não-patológicas em patológicas

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24243558

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Ataxias esporádicas de início em adultos: um desafio diagnóstico

(“Adult onset sporadic ataxias: a diagnostic challenge”)

Barsottini OGAlbuquerque MVBraga Neto PPedroso JL

Arq Neuropsiquiatr. 2014 Mar;72(3):232-40

Abstract: Pacientes com ataxia progressiva que se inicia na idade adulta, e sem histórico familiar da doença, são classificados no grupo das ataxias esporádicas. Existem várias categorias de doenças que podem se manifestar com ataxia esporádica, tais como: causas tóxicas, ataxias imunomediadas, deficiência de vitaminas, doenças infecciosas, doenças degenerativas e até mesmo condições genéticas. Considerando a heterogeneidade no espectro clínico das ataxias esporádicas, a definição da etiologia constitui um desafio diagnóstico. Neste artigo de revisão, realizamos uma discussão sobre as diferentes categorias de doenças que causam ataxia com início na idade adulta sem histórico familiar, com ênfase nas características clínicas, aspectos de imagem e critérios diagnósticos.

Comentário: A investigação de ataxias é sempre uma tarefa árdua para os neurologistas, e quando ela se inicia em adultos previamente hígidos e sem história familiar, a situação se complica mais ainda. Este artigo de revisão, escrito pelo grupo do Prof. Orlando Barsottini da Escola Paulista de Medicina (que, sem dúvidas, tem o melhor ambulatório de ataxias do Brasil) faz um completo passeio pelas causas adquiridas de ataxia que devemos procurar nestes pacientes. O artigo é gratuito e pode ser lido no link abaixo. Leitura obrigatória para todo neurologista!

Link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S0004-282X2014000300232&lng=en&nrm=iso&tlng=en

 

Alfa-sinucleína em nervos cutâneos autonômicos

(“α-Synuclein in cutaneous autonomic nerves”)

Wang NGibbons CHLafo JFreeman R

Neurology. 2013 Oct 29;81(18):1604-10

Abstract: Objetivo: Desenvolver um biomarcador cutâneo para doença de Parkinson (DP). Métodos: Vinte pacientes com DP e 14 indivíduos controles foram submetidos a avaliações neurológicas, testes autonômicos e biópsias de pele na perna distal, coxa distal e coxa proximal. O depósito de alfa-sinucleína e a densidade das fibras nervosas intraepidérmicas, sudomotoras e pilomotoras foram medidas. O depósito de alfa-sinucleína foi normalizado com a densidade de fibras nervosas (razão de alfa-sinucleína). Os resultados foram comparados com os escores das avaliações e testes de função autonômica. Resultados: Os pacientes com DP apresentaram uma neuropatia autonômica e sensitiva, caracterizada pela perda de fibras intraepidérmicas e pilomotoras (p < 0,05 vs. controles, em todos os sítios) e pelas mudanças morfológicas nas fibras sudomotoras. Os pacientes com DP têm um maior depósito de alfa-sinucleína e maiores razões de alfa-sinucleína comparados a controles, no interior de fibras pilomotoras e sudomotoras (p < 0,01, todos os sítios), mas não em nervos sensitivos. As maiores razões de alfa-sinucleína se correlacionaram com os escores de Hoehn & Yahr (r = 0,58-0,71, p < 0,01), com a função adrenérgica simpática (r = -0,40 a -0,06, p < 0,01) e com a função parassimpática (r = -0,66 a -0,77, p < 0,01). Conclusões: Nós concluímos que o depósito de alfa-sinucleína está aumentado em fibras adrenérgicas simpáticas cutâneas e colinérgicas simpáticas, mas não em fibras sensitivas dos pacientes com DP. Os maiores depósitos de alfa-sinucleína estiveram associados com maior disfunção autonômica e DP mais avançada. Estes dados sugerem que medidas de deposição de alfa-sinucleína em nervos cutâneos autonômicos podem ser um útil biomarcador em pacientes com DP.

Comentário: A busca por um biomarcador da DP está muito acirrada, e todas as possibilidades estão sendo exploradas. Procuramos sinais da patobiologia da doença em várias partes do sistema nervoso, desde o LCR até as fibras nervosas mais finas, e os resultados estão surgindo. Estes autores conseguiram, pela primeira vez, mostrar a presença de depósitos de alfa-sinucleína em nervos autonômicos da pele dos membros inferiores de pacientes com DP, e correlacionar com determinadas disfunções autonômicas, como a resposta da frequência cardíaca à manobra de Valsalva. Existe uma grande discussão sobre os déficits autonômicos na DP, e provavelmente os autores foram os primeiros a mostrar este acúmulo periférico de alfa-sinucleína por usar um protocolo mais racional para processamento das biópsias. Isto reforça a recente hipótese de sinucleinopatias serem doenças de todo tecido nervoso, não afetando apenas o encéfalo. Mesmo ainda sendo muito prematuro para uma indicação clínica, considero estes resultados de grande relevância.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24089386

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Perspectivas terapêuticas para a doença de Parkinson

(“Therapeutic prospects for Parkinson’s disease”)

Olanow CWSchapira AH

Ann Neurol. 2013 Sep;74(3):337-47

Abstract: Terapias dopaminérgicas como levodopa têm proporcionado benefícios para milhos de pacientes com DP e revolucionaram o tratamento desta doença. Entretanto, os pacientes continuam a ter incapacidade, a despeito do melhor tratamento moderno, As terapias dopaminérgicas e cirúrgicas estão associadas a efeitos adversos potencialmente graves. Aspectos não-motores e não-dopaminérgicos como congelamento, quedas e demência mão são adequadamente controlados com as medicações disponíveis, e representam a principal origem de incapacidade nos pacientes na fase avançada da doença. Além disso, a doença continua a progredir sem tréguas. As maiores necessidades terapêuticas incluem uma terapia dopaminérgica sem associação com efeitos adversos, uma terapia que melhore os aspectos não-motores e não-dopaminérgicos da doença, e um tratamento modificador de doença que lentifique ou suspenda a progressão da doença. Esta revisão considerará as atuais tentativas para se resolver estas questões e os obstáculos que devem ser ultrapassados para o desenvolvimento de terapias mais eficazes para DP.

Comentário: De uma série especial de artigos de revisão terapêutica da Annals of Neurology, este trabalho assinado pelos Profs. Olanow e Schapira faz uma análise crítica das últimas novidades sobre tratamentos para DP, e a conclusão é que o cenário atual é bem escasso de esperanças, em meio a tantos estudos clínicos negativos com as drogas testadas nos últimos 5 anos. Há alguma esperança em tratamentos voltados para os genes envolvidos com formas genéticas de DP, como parkina e a LRRK2, mas ainda no plano dos modelos animais. Outra mensagem dos autores é que, para um breakthrough terapêutico em DP, será necessário muito investimento nesta área, de uma ordem financeira bem maior do que a atual, e o fato de não existir um biomarcador confiável para a doença também dificulta os ensaios clinico. O artigo pode ser lido gratuitamente, na íntegra, no link abaixo.

Link: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ana.24011/pdf

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Efeitos do exercício sobre a mobilidade em pessoas com doença de Parkinson

(“Effects of exercise on mobility in people with Parkinson’s disease”)

van der Kolk NMKing LA

Mov Disord. 2013 Sep 15;28(11):1587-96

Abstract: A DP é uma doença neurodegenerativa prevalente, onde só existem tratamentos sintomáticos. Os distúrbios de marcha e de equilíbrio são comuns na DP, e são grandes causadores de piora na incapacidade e redução na qualidade de vida associada à doença e sobrevivência. Os déficits de marcha e equilíbrio na DP são consideravelmente difíceis de serem tratados e não são melhorados significativamente pelos tratamentos farmacológicos ou cirúrgicos. As últimas duas décadas viram um aumento dramático de pesquisas e interesse clínico no uso de exercícios como tratamento de problemas de mobilidade em pessoas com DP. Com avanços empolgantes na pesquisa básica sugerindo mudanças neuroquímicas e neuroplásticas após o exercício, um número crescente de estudos de alta qualidade estão analisando aspectos particulares da mobilidade que melhoram com exercícios. O exercício tem o potencial de ajudar tanto aspectos motores (marcha, equilíbrio, força) e não-motores (depressão, apatia, fadiga, constipação) da DP, assim como complicações secundárias da imobilidade (cardiovasculares, osteoporose). Este artigo foca primariamente nos recentes avanços sobre os efeitos do exercício na melhora da mobilidade, enfatizando a importância dos exercícios direcionados para se maximizar os benefícios do exercício. Sugestões para protocolos de exercícios, questões de aderência e direções para pesquisas futuras são abordadas.

Comentário: Com os sucessivos fracassos farmacológicos em DP, cada vez mais a comunidade neurológica se volta para os efeitos de intervenções não-medicamentosas nesta doença. Este artigo de revisão faz uma abordagem muito didática de todas as possíveis formas de atividade física/exercícios (principalmente no contexto da Educação Física), e algumas mensagens importantes são transmitidas:

– Exercícios de fortalecimento muscular e alongamento melhoram mobilidade nas pessoas com DP;

– Exercícios aeróbicos (o principal usado é o treino em esteira) melhoram vários aspectos da marcha e equilíbrio dos pacientes;

– Treinos focados em equilíbrio e resistência podem reduzir o risco de quedas;

– Exercícios complexos, como prática de dança e tai chi, têm bons efeitos principalmente sobre controle postural e equilíbrio;

– Sintomas não-motores, como apatia e depressão, melhoram com exercícios;

Há uma densa literatura reforçando estas evidências científicas, mostrando que não podemos mais ignorar estes benefícios aos nossos pacientes. Os grandes problemas da prática de exercício nestes indivíduos residem na baixa aderência à atividade física de longo prazo (> 3 meses), na presença de comorbidades clínicas que limitam o exercício (insuficiência cardíaca, pneumopatias etc) e no risco de lesões associadas à prática das atividades (como quedas e risco de fraturas). Contudo, se estes fatores não forem uma barreira importante aos pacientes, a prática de exercícios deve ser estimulada, sempre com uma orientação de educadores físicos ou fisioterapeutas. O artigo também contém pequenas sugestões de protocolos de exercícios físicos, para os profissionais da área. Leitura imperdível!

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24132847

 

Neuroestimulação para doença de Parkinson com complicações motoras precoces

(“Neurostimulation for Parkinson’s disease with early motor complications”)

Schuepbach WM, Rau J, Knudsen K, Volkmann J, Krack P, Timmermann L, Hälbig TD, Hesekamp H, Navarro SM, Meier N, Falk D, Mehdorn M, Paschen S, Maarouf M, Barbe MT, Fink GR, Kupsch A, Gruber D, Schneider GH, Seigneuret E, Kistner A, Chaynes P, Ory-Magne F, Brefel Courbon C, Vesper J, Schnitzler A, Wojtecki L, Houeto JL, Bataille B, Maltête D, Damier P, Raoul S, Sixel-Doering F, Hellwig D, Gharabaghi A, Krüger R, Pinsker MO, Amtage F, Régis JM, Witjas T, Thobois S, Mertens P, Kloss M, Hartmann A, Oertel WH, Post B, Speelman H, Agid Y, Schade-Brittinger C, Deuschl G; EARLYSTIM Study Group

N Engl J Med. 2013 Feb 14;368(7):610-22

Abstract: Introdução: A estimulação subtalâmica reduz a disfunção motora e melhora a qualidade de vida em pacientes com doença de Parkinson (DP) avançada que apresentam graves complicações motoras induzidas por levodopa. Nós hipotetizamos que a neuroestimulação seria benéfica em um estágio precoce da DP. Métodos: Neste estudo de 2 anos, nós incluímos aleatoriamente 251 pacientes com DP e complicações motoras precoces (média de idade 52 anos; medida de duração de doença 7,5 anos) para serem submetidos à neuroestimulação mais terapia médica ou terapia médica isolada. O desfecho primário foi a qualidade de vida, avaliada pelo uso do índice da Parkinson’s Disease Questionnaire (PDQ-39) (com escores entre 0 a 100, e com escores maiores indicando pior função). Os desfechos secundários principais incluíram a incapacidade motora parkinsoniana, atividades da vida diária, complicações motoras induzidas pela levodopa (UPDRS partes III, II e IV, respectivamente), e o tempo com boa mobilidade e sem discinesia. Resultados: Para os desfechos primários de qualidade de vida, a média de pontos para o grupo neuroestimulação melhorou em 7,8 pontos, e no grupo tratamento médico houve piora de 0,2 pontos (p = 0,002). A neuroestimulação foi superior ao tratamento médico no aspecto incapacidade motora (p < 0,001), atividades da vida diária (p < 0,001), complicações motoras induzidas por levodopa (p < 0,001), e o tempo com boa mobilidade e sem discinesia (p = 0,01). Os efeitos adversos graves ocorreram em 54,8% dos pacientes do grupo neuroestimulação e em 44,1% no grupo tratamento médico. Os eventos adversos graves associados com o procedimento cirúrgico ou com o dispositivo de neuroestimulação ocorreram em 17,7% dos pacientes. Um grupo de especialistas confirmou que o tratamento médico foi consistente com a prática de guidelines em 96,8% dos pacientes do grupo neuroestimulação e em 94,5% dos pacientes do grupo tratamento médico. Conclusões: A estimulação subtalâmica foi superior ao tratamento médico em pacientes com DP e complicações motoras precoces.

Comentário: A literatura médica em DP já mostrou, de modo bem consolidado, que o deep-brain stimulation (DBS) é uma terapia eficaz e melhor que o tratamento medicamentoso puro em DP avançada. A atual dúvida é: será que devemos esperar passivamente nossos pacientes apresentarem sérias complicações para indicarmos o DBS? A iniciativa do grupo EARLYSTIM é responder esta pergunta, e este belo estudo clínico publicado na New England Journal of Medicine nos dá algumas respostas. O artigo estudou mais de 100 pacientes que foram submetidos ao DBS no núcleo subtalâmico (NST) contra tratamento medicamentoso, porém em pessoas estavam experimentando as primeiras complicações motoras (discinesia, wearing-off) – um período da doença posterior à conhecida “lua de mel terapêutica” – , todos já em uso de levodopa. Os resultados mostraram que os pacientes com DBS tiveram uma melhor qualidade de vida, menor uso de levodopa e maior tempo com boa mobilidade e sem discinesia dentro de um período de 2 anos de seguimento, sem grandes diferenças quanto aos efeitos adversos. Antes que comecemos a indicar precocemente DBS, precisamos de estudos longitudinais mais longos, já que estes ganhos podem ser reduzidos ao longo da evolução da doença, não justificando a intervenção cirúrgica precoce. Contudo, é sabido que a DP é uma doença diretamente relacionada a contínuas modificações plásticas nos núcleos da base, que podem ser exacerbadas com a levodopa. Talvez a estimulação precoce no NST possa modificar a história natural da moléstia, mas isso só poderemos confirmar com os estudos prospectivos com seguimento maior que 10 anos.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23406026

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Quando as coisas ficam difíceis: como selecionar pacientes com doença de Parkinson para terapias avançadas

(“When the going gets tough: how to select patients with Parkinson’s disease for advanced therapies”)

Worth PF

Pract Neurol. 2013 Mar 13

Abstract: As complicações motoras induzidas pela levodopa na DP, incluindo flutuações motoras e discinesias, tornam-se progressivamente frequentes com o decurso da doença, e são geralmente incapacitantes. As terapias orais e transdérmicas têm eficácia limitada no controle destes problemas. As terapias avançadas baseadas em dispositivos, incluindo a infusão contínua de apomorfina, a DBS e o gel intestinal de levodopa-carbidopa podem melhorar estas complicações. Esta revisão resume os princípios de cada uma destas terapias, seus modos de ação, eficácia e efeitos adversos, e fornece conselhos de como identificar a tempo os pacientes adequados e como decidir sobre o a terapia mais apropriada para um determinado paciente.

Comentário: Após o diagnóstico e tratamento da DP na fase inicial, o surgimento das complicações motoras nas fases intermediárias e avançadas sempre gera conflitos para o melhor manejo medicamentoso destes sintomas, com várias possibilidades sugeridas pelos guidelines (fracionamento de dose da levodopa, uso de agonistas dopaminérgicos, uso de inibidores da COMT etc). Com a falência destas medidas, sugere-se medidas invasivas, como uso de bomba subcutânea contínua de apomorfina, infusão de levodopa gel por jejunostomia e a neuroestimulação (DBS). Este artigo foca em como selecionar os pacientes para estas novas terapias e comenta algumas particularidades práticas destes tratamentos. Infelizmente, no Brasil nenhuma destas terapias é de uso custeado pelo SUS, e apenas o DBS é feito de modo esporádico na rede privada. Contudo, este artigo deve ser lido por todo neurologista com interesse por Distúrbios de Movimento.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23487815

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Biópsia de glândula submandibular para diagnóstico de doença de Parkinson

(“Submandibular gland biopsy for the diagnosis of Parkinson disease”)

Beach TG, Adler CH, Dugger BN, Serrano G, Hidalgo J, Henry-Watson J, Shill HA, Sue LI, Sabbagh MN, Akiyama H; Arizona Parkinson’s Disease Consortium

J Neuropathol Exp Neurol. 2013 Feb;72(2):130-6

Abstract: O diagnóstico clínico de DP está incorreto em 30% ou mais dos indivíduos, principalmente no momento do surgimento dos sintomas. Como a sinucleinopatia tipo Lewy está presente nas glândulas submandibulares (GSM) de pacientes com DP, nós avaliamos a exequibilidade de biópsia de GSM para diagnóstico de DP. Nós realizamos marcação imunohistoquímica para sinucleinopatia tipo Lewy em secções de grandes segmentos (simulando biópsias a céu aberto) e com biópsia por agulhamento de GSM de 128 indivíduos necropsiados e classificados neuropatologicamente, incluindo 28 com DP, 5 com doença por corpos de Lewy incidental (DCLi), 5 com paralisia supranuclear progressiva (3 com DP associada), 3 degenerações corticobasais, 2 atrofias de múltiplos sistema, 22 doenças de Alzheimer com corpos de Lewy, 16 doenças de Alzheimer sem corpos de Lewy e 50 idosos normais. As fibras nervosas imunorreativas [para alfa-sinucleína] estavam presentes nas secções de GSM de todos os 28 indivíduos com DP (incluindo os 3 com PSP); 3 indivíduos com doença de Alzheimer com corpos de Lewy também foram positivos, mas nenhum dos outros indivíduos foi positivo. O material das GSM congeladas obtidas por agulhamento (comprimento total, 15-38 mm; entre 10 a 118 secções por indivíduos examinado) foram positivas para sinucleinopatia tipo Lewy em 17 dos 19 pacientes com DP. Estes resultados sugerem que a biópsia de GSM pode ser uma maneira viável de se melhorar a acurácia diagnóstica clínica da DP. Isto seria particularmente útil para a seleção de indivíduos em estudos clínicos com pessoas em fase inicial, para terapias invasivas ou para comparar com outros biomarcadores.

Comentário: Atualmente, grande parte dos esforços de pesquisa em DP está concentrada em se criar bons biomarcadores para ajudar no diagnóstico clínico da doença, assim como para diagnosticar possíveis casos em fase pré-clínica, no contexto de futuras drogas que possam interromper a progressão patológica. Dentre estas possibilidades de biomarcadores, a pesquisa de alfa-sinculeína em biópsias do sistema nervoso periférico (sistema gastrointestinal, pele etc) está em voga, principalmente em amostras de cólon, como já descrito em artigos revisados aqui, com uma acurácia alta e interessante. Contudo, o grupo de Beach e colaboradores, em trabalho anterior, mostrou que os tecidos com maior concentração de acúmulo de alfa-sincleína seriam as GSM e o esôfago distal, sendo o primeiro um potencial alvo de biópsia, com baixas taxas de complicações e facilidade de acesso. Neste artigo, os autores avaliaram o padrão de imunohistoquímica para uma forma de alfa-sinucleína patogênica em GSM de cadáveres de indivíduos com diagnósticos neuropatológicos definidos, incluindo idosos normais. Os resultados mostraram que quase todos os casos com DP definida tinham imunorreatividade para alfa-sinucleína na GSM, e quase nenhum dos outros indivíduos normais ou com outras doenças apresentavam a marcação (com exceção de 3 indivíduos com Alzheimer, mas que também tinham corpos de Lewy no encéfalo). Logo, a aparente alta acurácia deste método para diagnóstico precoce de DP (acredita-se que as GSM já tenham acúmulo de sinucleína no primeiro estágio de Braak) é bastante promissora. Obviamente, o estudo foi conduzido em cadáveres, e precisará ser replicado em pessoas vivas para maiores conclusões.

Link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23334596